Alemanha mostra como produzir em meio à pandemia

Com planejamento e troca de experiência com as subsidiárias na China, a maioria das empresas alemãs continuou funcionando durante o confinamento, mantendo seus trabalhadores protegidos da covid-19

Por Tom Fairless — Dow Jones Newswires, de Mulfingen (Alemanha)

12/05/2020 – Valor Econômico

Quando boa parte da economia da Europa parou, em meados de março, a rotina de trabalho seguiu quase inalterada no Ebm-papst Group, fabricante alemão de ventiladores e motores, com sede próximo à Floresta Negra.

Ao longo do confinamento nacional de seis semanas, que agora está sendo gradualmente suspenso, a empresa, de controle familiar, manteve suas fábricas operando a 80% da capacidade normal, disse seu executivo-chefe, Stefan Brandl.

O distanciamento social, as onipresentes máscaras faciais, os testes de covid-19 realizados pela própria empresa e o rastreamento de contatos feito quando os funcionários ficavam doentes contribuíram para que a empresa mantivesse suas unidades funcionado.

Apenas 15 de seus 6.700 funcionários na Alemanha contraíram o vírus, de acordo com a companhia.

Grandes partes da Europa têm sido devastadas pela pandemia, mas a Alemanha está se saindo melhor. Embora tenha quase o mesmo número de casos confirmados que os vizinhos de porte equivalente – Itália, Espanha, França, Reino Unido -, a Alemanha teve só cerca de 25% das mortes computadas pelos demais. E as autoridades alemãs, ao contrário das da Itália e Espanha, deram a todas as fábricas a opção de permanecerem abertas em meio a pandemia.

Mais de 80% delas fizeram isso, e apenas 25% cancelaram investimentos, segundo recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica, um centro de análise e pesquisa de Munique. Num momento em que os EUA e outros países da Europa se preparam para reabrir suas indústrias, alguns deles voltam os olhos para a Alemanha em busca de lições sobre como fazer isso da maneira mais segura possível.

Entre essas lições estão: as empresas implementaram regras rígidas de segurança desde o início. Os diretores envolveram sindicatos e funcionários no planejamento de segurança. Os governos regionais tomaram rápidas providências para testar e rastrear cadeias de infecção. E laços estreitos com a China, onde muitas empresas alemãs têm operações, proporcionaram às empresas uma vantagem no campo do planejamento.

Embora as empresas alemãs tenham, de modo geral, agido por iniciativa própria, elas também foram beneficiadas por medidas do governo voltadas para a toda a população, e pela boa sorte geral que o país teve em relação a seus vizinhos mais duramente atingidos. Mas as empresas alemãs não estão imunes às consequências do coronavírus.

O governo prevê que a economia alemã sofrerá a maior recessão da história recente. E, o que é pior, suas empresas dependem fortemente do comércio internacional e das cadeias de suprimentos globais, que poderão continuar enfrentando problemas por meses ou, até, anos.

Porém, muitos economistas, entre os quais os do Fundo Monetário Internacional, avaliam que a decisão das empresas alemãs de continuar operando durante o confinamento poderá permitir que sua economia se recupere mais rapidamente que a de outros países.

“A Alemanha criou condições estáveis, e acho que há uma possibilidade de nos recuperarmos mais depressa”, disse Thomas Böck, CEO da CLAAS, fabricante alemã de máquinas agrícolas. A empresa implementou rapidamente medidas de segurança em suas fábricas na Alemanha quando viu a situação se agravar na China, inclusive aumentando as distâncias mantidas entre os trabalhadores onde era possível e adotando o uso de máscaras. Seu grupo de crise de combate ao vírus se reúne todos os dias. Cerca de 20 de seus 5.000 funcionários na Alemanha foram infectados, segundo um porta-voz. A maioria desses casos ocorreu no início da pandemia e a empresa rastreou e manteve em quarentena outros trabalhadores que poderiam ter sido expostos. A maioria dos funcionários infectados se recuperou desde então e voltou a trabalhar, disse o porta-voz.

Hoje, as fábricas da CLAAS na Alemanha estão operando a 70% a 80% da capacidade normal, disse Böck. Duas operaram sem interrupção. Uma terceira fechou por várias semanas por não ter recebido equipamentos da Itália. As empresas também mencionam sua presença na China, a maior parceira comercial da Alemanha, como fator que as ajudou a se preparar para a pandemia. “Quase todo mundo, de alguma maneira, está lotado na China”, disse Thilo Brodtmann, diretor-executivo da Associação do Setor Metalmecânico alemã, que representa mais de 3.000 empresas.

As empresas automobilísticas alemãs fecharam em março porque da falta de demanda. Quando a Volkswagen começou a reabrir suas unidades de produção na Alemanha, no fim de abril, aplicou algumas medidas adotadas em suas unidades chinesas, adaptando algumas e acrescentando novas.

O resultado foi uma lista de 100 medidas que afetam muitos aspectos das rotinas dos funcionários, inclusive onde devem se trocar para vestir roupas de trabalho, onde e como almoçar e como checar a presença de sintomas de covid-19.

O grupo KION, fabricante de empilhadeiras com sede em Frankfurt, importou várias práticas de segurança da China, onde possui cinco fábricas, com cerca de 4.000 funcionários. “Conseguimos, por meio da China, preparar muitas coisas antes do tempo”, disse o CEO, Gordon Riske. Entre as mudanças está a remoção de estações de trabalho, para aumentar as distâncias entre os membros da equipe, o que compromete a produtividade, bem como novos padrões de turnos. A empresa disse recentemente que sua receita no primeiro trimestre foi 2,7% menor que a do mesmo período do ano passado, mas que seu nível total de encomendas permaneceu inalterado.

A Fischerwerke, que fabrica sistemas de ancoragem predial para o setor de construção e outros equipamentos, disse que todas as unidades de produção na Alemanha continuaram abertas e funcionando durante o confinamento. A empresa começou produzindo seu próprio desinfetante, batizado de “Viruclean”, em sua fábrica de produtos químicos próxima à fronteira com a França. Ela o fornece gratuitamente para uso doméstico a seus 5.200 funcionários em nove países, e a clientes e parceiros comerciais, disse seu fundador e CEO, Klaus Fischer. Desenvolveu também, com impressora 3D, centenas de extensões de maçanetas para permitir que os funcionários abram portas com os antebraços para evitar tocar os trincos. Oito funcionários foram infectados, mas já se recuperaram, disse um porta-voz da Fischerwerke. A Ebm-papst, fabricante de ventiladores e motores, tem três fábricas na China. Quando o coronavírus começou a assolar aquele país, Thomas Nürnberger, diretor da empresas em Xangai, telefonou para a matriz para dar o alarme, o que deu semanas para a empresa se preparar antes de o vírus aportar na Europa. Um de seus conselhos foi que comprassem máscaras, o máximo que conseguissem.

“Começamos a tentar comprá-las no mundo inteiro”, disse Tobias Arndt, o diretor de logística da Ebm-papst. Brandl, o CEO, disse que a empresa tem agora um funcionário só para comprar máscaras. A companhia tem um estoque de mais de 100 mil e está começando a testar máscaras reutilizáveis. Winfried Imminger, médico da própria empresa, aplica testes em funcionários suspeitos de estar infectado. Foram mais de 250 testes até agora. No caso de uma confirmação, o programa de rastreamento de contatos da empresa entra em ação. Até agora, 8 de cerca de 3.800 funcionários de Mulfingen, onde fica a sede da empresa, testaram positivo e foram isolados, disse um porta-voz. A maioria tinha relação com um surto ligado a uma igreja nas proximidades. Além disso, os trabalhadores são solicitados a verificar suas temperaturas em casa e a notificar qualquer infecção.

Em recente reunião da força-tarefa antivírus da empresa, Imminger falou sobre as vantagens e desvantagens das mais recentes ideias para reduzir os riscos de infecção. Maçanetas de portas mais compridas, passíveis de serem abertas com o cotovelo, poderiam ser contraproducentes se os trabalhadores usassem seus antebraços para enxugar a testa, disse. Barreiras de acrílico também poderiam dar errado se estimular os funcionários a tirar a máscara. Testes confiáveis de anticorpos não estarão disponíveis antes do fim do ano, disse ele. A exemplo da maioria das empresas alemãs, a Ebm-papst envolve representantes dos funcionários nas decisões de direção – uma tradição chamada de codeterminação. O diretor de RH e um representante dos trabalhadores têm assento na força-tarefa anticrise. Em uma unidade de grande extensão, recentemente, funcionários montaram grandes ventiladores. Equipes de funcionários de limpeza percorrem o lugar, desinfetando maçanetas de portas, botões de elevadores e de máquinas. “Me sinto seguro com todas essas precauções”, disse um funcionário da fábrica. “Fico muito contente em vir trabalhar”, acrescentou, considerando que há tantas fábricas da Europa fechadas.

Um novo padrão de turnos significa que os mesmos funcionários sempre trabalham juntos. Os turnos foram abreviados em 15 minutos, para que os trabalhadores que estão de saída nunca cruzem com os que estão entrando. Isso pode criar problemas no repasse de tarefas, disse Herbert Walter, supervisor de operações do chão de fábrica. Hoje, ele liga ou manda e-mails para os funcionários do turno seguinte para explicar o trabalho que fez.

A Paul Horn, fabricante de ferramentas de precisão com sede em Tübingen, manteve suas três fábricas operando. A empresa, que produz máquinas usadas para montar aparelhos médicos, automóveis, aviões, turbinas eólicas e outros produtos, reduziu os turnos, mas não concedeu licença a nenhum de seus 1.000 funcionários. A empresa também tem um grupo anticrise composto de diretores e trabalhadores que se reúne diariamente. Reconfigurou seu refeitório e estações de trabalho e mudou departamentos para prédios diferentes a fim de aumentar a distância entre trabalhadores. Os funcionários cumprem turnos escalonados e usam proteção de boca e de nariz, inclusive seu executivo-chefe, que usa uma bandana. Um dos membros do corpo de funcionários contraiu o coronavírus e se recuperou, e outro teve a infecção confirmada. Ambos os casos foram rapidamente detectados e contidos, segundo a empresa.

Economistas alertam que as empresas alemãs não escaparão do impacto econômico da pandemia. Sua presença internacional poderá pressionar suas cadeias de suprimentos e deixá-las expostas a mercados mais duramente atingidos. “Não sabemos o que temos pela frente e ninguém consegue estimar o quão profunda será essa recessão porque não há precedentes para ela”, disse Jan Sibold, da associação de classe da RKW em Baden-Wurttemberg, Estado do sul onde fica a sede da Ebm-papst.

Logo depois que grandes montadoras começaram a reabrir unidades fechadas por falta de demanda, a Daimler revelou uma queda de 68,9% dos lucros do primeiro trimestre antes de juros e impostos.

Recentes pesquisas de atividade da Markit sugerem que a indústria de transformação alemã está experimentando uma queda sem precedentes da produção. O sentimento das empresas e dos consumidores estão em níveis baixos sem precedentes. “A Alemanha tem, efetivamente, algumas vantagens que podem fazer com que volte mais forte”, inclusive baixo endividamento e grandes colchões de capital, disse Clemens Fuest, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica. “Mas também está muito mais exposta… a outros países.”

(Com Bojan Pancevski – Tradução de Rachel Warszawski)