A Alemanha vai conseguir se adaptar a um futuro elétrico?

Öhringen, Alemanha – Öhringen fica localizada no coração da área das montadoras, local da maior indústria da Alemanha e fonte de orgulho nacional. E, aparentemente, a vida é muito boa.

A taxa de desemprego em Öhringen é de apenas 2,3 por cento. Restaurantes, asilos e jardins de infância estão implorando por trabalhadores. O governo da cidade usa sua grande renda advinda de impostos para construir uma nova escola de ensino médio e um hospital.

Mas ao lado do belo bairro antigo de Öhringen, dominado pelo campanário de uma igreja do século XV, há sinais de que a pujança econômica que gerou esse idílio está começando a vacilar.

Uma fábrica que produz filtros de ar está fechando, deixando 240 pessoas desempregadas. A fábrica, de propriedade da Mahle, fabricante de autopeças com sede na vizinha Stuttgart, é vítima das forças que estão remodelando a indústria automobilística e ameaçando as bases da economia alemã.

As vendas globais de automóveis estão em declínio ao mesmo tempo que as empresas despejam bilhões de dólares em novas tecnologias, como carros autônomos ou elétricos, que são mais fáceis de montar e exigem menos trabalhadores e menos peças.

As montadoras, incluindo a Daimler e a divisão Audi da Volkswagen, além de fornecedores como Continental e Bosch, anunciaram dezenas de milhares de cortes de funcionários recentemente. A produção automobilística alemã chegará à sua maior baixa em 22 anos em 2019 e 2020, de acordo com cálculos de Ferdinand Dudenhöffer, professor da Universidade de Duisburg-Essen.

Os trabalhadores estão sentindo o peso, e não apenas na Alemanha.

“Para a Mahle – e para a indústria como um todo –, a transformação tecnológica é uma tarefa monumental”, disse Jörg Stratmann, diretor executivo da empresa. Isso significa, disse ele em um comunicado, “cortar nossos custos e tomar decisões difíceis”.

Há o sentimento de que algo mais fundamental que apenas outro ciclo econômico está acontecendo na poderosa indústria automobilística da Alemanha, que emprega 835 mil pessoas.

A crescente popularidade dos veículos elétricos poderia forçar uma mudança no equilíbrio de poder no negócio global de automóveis, o que teria consequências em longo prazo para os alemães.

Até agora, as vendas de carros elétricos perfazem uma pequena parte do mercado automobilístico em geral, mas estão crescendo rapidamente. Em outubro, carros híbridos e movidos a bateria representaram quase dez por cento dos registros de carros novos na Europa, segundo a JATO, empresa de pesquisa de mercado; dados de outra empresa, a LMC Automotive, relataram menos de quatro por cento nos Estados Unidos. As vendas desses carros na Europa subiram 40 por cento em relação ao ano anterior em um mercado estagnado.

Se a tendência continuar, pode gerar problemas para as centenas de fornecedores que fabricam peças para motores de combustão interna. A fábrica da Mahle em Öhringen produz equipamentos que controlam o fluxo de ar em motores a diesel e a gasolina.

“Há uma transição para veículos elétricos, que têm muito menos componentes e são mais fáceis de fabricar. Portanto, podemos esperar menos empregos”, disse Bernhard Mattes, presidente da Associação Alemã da Indústria Automotiva, em entrevista em Berlim.

Mattes, ex-chefe de operações da Ford na Alemanha, citou estudos estimando que uma mudança para carros elétricos poderia custar 70 mil empregos na Alemanha até 2030. Algumas estimativas são maiores.

O efeito desses cortes pode ser sentido mais agudamente em comunidades como Öhringen, onde a economia local gira em torno de pequenos e médios fabricantes, muitas vezes atendendo à indústria automobilística. Audi, Porsche e Daimler têm fábricas em um raio de 64 quilômetros.

Confrontadas com vendas estagnadas ou em declínio em seus principais mercados, acredita-se que as grandes montadoras vão repassar a maior parte das perdas aos fornecedores. Os fabricantes de automóveis vão exigir preços mais baixos e começar a assumir o trabalho que antes delegavam às terceirizadas.

Thilo Michler, prefeito de Öhringen, disse que a economia local era diversificada o suficiente para sobreviver ao fechamento da fábrica da Mahle. A cidade, com cerca de 25 mil habitantes, é também lar de outras empresas de médio porte, como a Huber Packaging, a maior fabricante mundial de barris de cerveja de cinco litros.

“Perder a Mahle é doloroso, mas é gerenciável”, disse Michler.

O desemprego é tão baixo que a maioria dos trabalhadores da Mahle provavelmente encontrarão novos empregos no momento em que a fábrica cessar as operações até o fim de 2020. Mas terão dificuldade em encontrar algo que pague bem, e podem ter de aceitar contratos temporários que oferecem pouca segurança, disse Rüdiger Bresien, do sindicato IG Metall, que representa os trabalhadores na área.

Bresien disse que as perdas de emprego sofridas pela agitação na indústria automobilística eram maiores do que pareciam, com as empresas dispensando silenciosamente os trabalhadores com contratos temporários.

“Em muitas empresas, vemos que o trabalho temporário está diminuindo bastante, mas você não ouve falar muito sobre isso”, afirmou Bresien.

Ele disse que temia que os trabalhadores frustrados fossem atraídos para o partido de extrema-direita anti-imigrantes, o Alternativa para a Alemanha. Nas eleições para o Parlamento Europeu em maio, o partido populista obteve dez por cento dos votos no estado de Baden-Württemberg, que inclui Öhringen.

“Há sempre o risco de as pessoas perguntarem: ‘De quem é a culpa?’ e ‘Quem vai me ajudar?’”, disse Bresien.

A região em torno de Öhringen é pontilhada por fábricas com logotipos de empresas que podem não ser nomes conhecidos, mas que muitas vezes dominam seus nichos de mercado. Essas empresas são uma das grandes razões para o sucesso econômico da Alemanha.

Um pouco mais para a frente, por exemplo, fica a Ziehl-Abegg, fabricante de ventiladores industriais que tem mais de quatro mil funcionários em todo o mundo.

De propriedade de um neto do inventor que fundou a empresa em 1910, a Ziehl-Abegg aumentou suas vendas na última década. Mas em 2019 elas se estabilizaram, refletindo um declínio mais amplo na produção industrial alemã.

A Alemanha por pouco evitou a recessão em 2019, mas sua produção industrial vem diminuindo desde o início de 2018. A guerra comercial atingiu até mesmo empresas como a Ziehl-Abegg, que não são dependentes apenas da indústria automobilística. Mais de três quartos da produção da Ziehl-Abegg são exportados.

Ela está entre as empresas que tentam se ajustar à mudança na tecnologia automotiva usando sua experiência com motores elétricos. A empresa vende uma unidade de propulsão para ônibus com a unidade elétrica dentro da roda. A Ziehl-Abegg disse que esse módulo economiza energia porque não há necessidade de uma caixa de câmbio, o que reduz o atrito.

Mas a movimentação do eixo também ilustra o perigo que a tecnologia elétrica impõe à indústria automobilística alemã. Mais de um século de experiência em motores de combustão interna e transmissões pode se tornar irrelevante. As empresas de automóveis alemãs normalmente constroem seus próprios motores, mas quase todas as células de baterias da Europa, que representam uma grande parte do custo de um automóvel elétrico, são importadas da Ásia.

O risco para as montadoras alemãs é que se apeguem demais às tecnologias antigas, acabando por ser invadidas por novas empresas que se concentram exclusivamente em veículos elétricos. Isso inclui a Tesla, que anunciou planos de construir uma fábrica em Berlim, e a Eurabus, empresa também em Berlim que faz ônibus movidos a bateria.

O módulo da Ziehl-Abegg está sendo usado por empresas que fabricam ônibus turísticos, ônibus de aeroportos e outros veículos especializados. Mas Ralf Arnold, diretor-gerente da divisão automotiva da Ziehl-Abegg, disse que tinha sido difícil conquistar grandes fabricantes de ônibus como a Daimler ou a MAN, uma unidade da Volkswagen.

“O que ainda está faltando é um dos grandes jogadores. Eles são muito cautelosos. Vivem em seu próprio mundo”, disse Arnold na sede da Ziehl-Abegg em Kupferzell.