Localiza e Unidas acertam fusão

Acordo cria empresa com 65% locações no varejo, mas precisa de aval do Cade

Valor Econômico – Marcos de Moura e Souza, Raquel Brandão e Daniela Braun 24/09/2020  

Após meses de negociação, a Localiza, maior empresa de locação de veículos do país, anunciou ontem um acordo de fusão com a segunda maior do segmento, a Unidas, num negócio que, se aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), criará uma companhia com valor de mercado estimado em cerca de R$ 50 bilhões.

Hoje, Localiza e Unidas têm, juntas, 47% do mercado total. A Movida é a terceira no ranking geral, com 11%. Analistas consideram grande a chance do Cade impor alguma restrição à operação, já que Localiza e Unidas somam participação de 65% no segmento de aluguel de carros no varejo. Mesmo assim, o mercado recebeu bem a proposta de fusão. As ações da Localiza fecharam em alta de 13,97%, cotadas a R$ 58,97, e as da Unidas se valorizaram 17,27%.

Presidente e um dos fundadores da Localiza, o empresário mineiro Eugênio Mattar afirmou ao Valor que o pano de fundo da operação são as mudanças no mercado de locação, com a entrada de novos competidores. A ideia é que a fusão faça frente a essa nova concorrência.

“De fato, o setor de mobilidade está passando por diversas transformações no mundo e no Brasil e essas transformações estão sendo sentidas nos mercados em que as duas empresas atuam de forma complementar, aluguel de carros e gestão de frotas”, afirmou Mattar.

Ele lembrou que o setor conta com mais de 10 mil operadores. “E tem atraído diversos novos players, inclusive montadoras, seguradoras e outros players de grande porte que buscam expandir as atividades em um mercado em franco crescimento”, disse. “Esse cenário aumenta a necessidade das empresas oferecerem serviços a preços cada vez mais competitivos e investirem em tecnologia e qualidade para se diferenciarem.”

Montadoras como Toyota e Volkswagen e seguradoras como a Porto Seguro já têm serviços de aluguel de carros no Brasil.

“Ainda temos muito espaço para o crescimento do mercado interno de locação e, em um segmento composto por mais de 10 mil locadoras, há uma tendência de concentração”, afirmou Paulo Miguel Júnior, da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla).

O negócio de locação de veículos sentiu como todos a paralisia provocada pela pandemia, mas em junho a avaliação de Mattar era que o fundo do poço tinha sido em abril.

Pelo acordo anunciado ontem, os acionistas da Localiza terão 76,85% do capital social total e votante da companhia combinada. Os acionistas da Unidas ficarão com 23,15% de participação.

“Essa operação é mais um termômetro de que esse nicho de negócio é muito pouco explorado no Brasil e que há muitas oportunidades”, disse o analista de transporte e logística do BB Investimentos, Renato Hallgren. “Com essa fusão, a empresa combinada não tem risco de perder a liderança. Ela ainda ganha escala para comprar e para vender veículos.”

O analista Luiz Peçanha, que assinou um relatório do Banco Safra sobre a operação, calculou, com base nos números de 2019, que a nova companhia a ser criada por Localiza e Unidas teria receita líquida de cerca de R$ 14,9 bilhões, lucro líquido em torno de R$ 1,2 bilhão e valor de mercado de aproximadamente R$ 50 bilhões, com base no valor de terça-feira – dez vezes maior do que o da Movida. Ainda assim, as ações da concorrente também fecharam o pregão em alta ontem, de 5,73%, para R$ 17,91.

“[A combinação cria] uma empresa de aluguel de carros gigante, com uma frota de aproximadamente 470 mil carros”, destaca o relatório assinado por Victor Mizusaki e Gabriel Rezende do Bradesdo BBI. Eles avaliam que a nova empresa deve comprar cerca de 320 mil veículos por ano, o que significa 60% dos veículos vendidos para o setor de locação. E que as sinergias chegariam a R$ 5 bilhões.

Embora tenha animado o mercado, analistas avaliam que dificilmente a operação será aprovada sem restrições pelo Cade, em função do potencial risco de concentração, especificamente no segmento de locação para o varejo.

“Apesar de nossa perspectiva positiva para a transação, ela ainda depende da aprovação do Cade. E a não aprovação dessa operação pode ter um efeito negativo nas ações das duas empresas no futuro”, escreveu Peçanha, do Safra.

“A aprovação antitruste é o principal ponto crítico, mas o acordo de incorporação mitiga o risco de quebra do negócio”, escreveram, em relatório, os analistas Victor Mizusaki e Gabriel Rezende, do Bradesco BBI. Eles estimam que o Cade aplique alguns “remédios antitruste” como condição para aprovar o negócio. “No entanto, a Localiza e a Unidas concordaram que, mesmo que haja alguma restrição imposta pelo Cade, como a venda/ fechamento de locadoras de veículos ou marca, a relação de troca de ações não mudará”, acrescentaram.
(Colaborou Allan Ravgnani, de São Paulo)