Abrasileirado, Taos robô da VW tem autorização militar e usa 16 satélites

Fonte /Quatro Rodas

Recursos de automação veicular impressionam à primeira vista. Sejam funções avançadas ou itens de segurança mais simples, é difícil não tratar com misto de fantasia e ficção científica a primeira vez que nosso automóvel reage sozinho às condições externas, se tornando o condutor da viagem.

 

No lugar da aparente magia, entretanto, há muita programação e centenas de testes. Em modelos como o Volkswagen Taos, lançado globalmente neste mês, a calibração é ainda mais necessária, a fim de adaptar o veículo a cada tipo de sinalização, ambiente, estradas e peculiaridades dos países onde começa a ser vendido.

Para isso, a Volks brasileira segue investindo em unidades mecanizadas de seus novos modelos, capazes de realizar extensivos ensaios com a alta precisão necessária para que tudo chegue redondo às ruas. Além de testes internos, os carros fez algumas exibições para convidados.

Menos argila, mais silício

Esqueça tempos românticos das gigantescas maquetes de argila, nas quais designers e engenheiros literalmente esculpiam um novo carro. A rotina da Volkswagen é praticamente toda virtual, com projetos ao exemplo do Nivus sendo inteiramente construídos via computador.

Por mais que pranchetas já sejam coisa retrô, o digital aumentou sua importância com a popularização de softwares como o Siemens NX, que serve do desenho à manufatura.

Nesses programas toda informação é parametrizada. Uma longarina alterada no projeto, por exemplo, carregará dados de condutividade térmica, dilatação, tensão de flexão e qualquer outra informação importante automaticamente, conforme o composto e formas forem inseridos pelo usuário.

Mais do que uma maquete, esse Gêmeo Virtual simula as diversas interações do mundo real além do que se vê.

A realidade, entretanto, segue incomparável e, enquanto a tecnologia evolui, os testes físicos seguem bem-vindos, seja pelo custo menor em relação a computadores muito avançados ou pela natureza irreplicável digitalmente do experimento.

É aí que entra o Taos robô: por mais que seu controle de cruzeiro adaptativo (ACC) e frenagem autônoma de emergência (AEB) sejam configuráveis em qualquer fábrica da VW no mundo, as peculiaridades das ruas brasileiras continuam sem imitação.

“Percebemos que os primeiros veículos tinham problemas com tampas de bueiros e obras na via. Tanto as tampas quanto as placas de aço usadas para cobrir reformas na pista geravam falsos positivos. Foi o caso de refinar nossos ajustes para que o radar não interpretasse como objetos que exigiam frenagem”, explica Paulo Morassi, gerente de engenharia de produtos da marca.

Além disso, a calibração do sistema para que sua operação tenha a confiança pretendida exige infindáveis procedimentos, minuciosamente descritos. Alguns até podem ser realizados por humanos, muito mais lentos. Outros já cobram repetibilidade com precisão que só a mecânica (combinada com a eletrônica) consegue garantir.

Kit completo

Para comandar um SUV com precisão de laboratório, o fator humano deve ser eliminado dos comandos de esterçamento e frenagem. Para tanto, o Taos conta com atuadores hidráulicos que comandam pedais e volante sob ordens de um engenheiro, que vai, apertado, no banco do motorista.

No lado do passageiro, ainda há telas, processadores e baterias, que alimentam software e hardware e, via cabos, se conectam ao trem-de-força do veículo. Na segunda fileira e porta-malas também vão acelerômetros e aparelhos GPS, com antenas e câmeras espalhadas pela carroceria.

Mas o teste vai muito além do carro e a equipe técnica dedica atenção especial à base móvel de geolocalização, que acompanha o SUV onde quer que ocorram os ensaios.

Ainda que o GPS precise, teoricamente, de três satélites para funcionar, os projetistas recorrem a dezenas deles, elevando a precisão normal de alguns metros para poucos centímetros.

No dia da reportagem, havia 16 satélites garantindo latitude, longitude e altitude com excelente margem de erro, tanto do carro quanto do boneco inflável. A comunicação entre as partes é feita por Wi-Fi e quando ocorre de a margem superar um metro, automaticamente o procedimento é abortado.

Simultaneamente, uma pequena estação meteorológica ainda capta dados de temperatura, vento e pressão que são considerados na calibração e, curiosamente, a elevada frequência do radar do carro (75 GHz) torna necessária a liberação da atividade pelas Forças Armadas, a fim de não haver interferência em equipamentos militares.

Por se tratar de tecnologias recentes, há pouco material disponível para quem deseja desenvolver um sistema de automação veicular. Desse modo, a Volkswagen fez um intercâmbio interno e enviou funcionários às sedes de seus fornecedores, na Inglaterra e Áustria, e à matriz alemã, onde a tecnologia é desenvolvida há mais tempo.

Mesmo assim, a equipe ressalta, existem coisas que só se pegam na prática. Isso ocorre na relação entre Nivus e Taos e, por mais que o SUV cupê tenha fornecido valiosas informações para o projeto seguinte, diferenças de tamanho, peso e, principalmente, filosofias impediram que o reaproveitamento fosse pleno.

“No caso do Nivus, o foco principal era a frenagem em situações urbanas, de até 50 km/h, ou inter-urban, de até 80 km/h na estrada. Na Taos, além dessas funções, há a função Pedestre”, explica Morassi.

O teste

Obviamente nenhum ser humano foi atropelado durante o desenvolvimento do Taos. A ingrata missão é do manequim inflável, que se move sobre uma corrente e atravessa a pista logo antes do veículo se aproximar.

Como os sistemas de prevenção ativa ainda são bem falíveis e apenas ajudam o motorista, é necessário pensar nos atropelamentos que seguirão ocorrendo. Por isso, o boneco também carrega sensores que dimensionam lesões sofridas por pedestres na vida real, contribuindo para desenhos mais seguros.

Além do dummy, mas sem uso durante nossa exibição pública, também há um carro inflável, chamado de GVT. É com ele que são feitos parte dos ensaios, já qualificados a legislações futuras cada vez mais restritivas, além de parâmetros de qualidade internos.

No caso do Euro NCAP, há dezenas de páginas que relatam a precisão desses testes: para que ele seja validado, é necessário atender limites de temperatura do ambiente (de 5ºC a 40ºC), inclinação da pista (1%) e aderência máxima do pneu com o pavimento (0,9).

Entre vários detalhes, o carro em testes (VUT) deve estar abastecido com ao menos 90% do tanque, trazer estepe e ferramentas para sua instalação no compartimento designado.

Antes de medições oficiais, a precisão mecânica é extremamente importante para calibrar os freios e, para deixar o SUV em condições parecidas com o dia a dia, são realizadas 20 frenagens a 56 km/h, com desaceleração média de 0,55 g. Em seguida, mais três frenagens a 72 km/h, com os atuadores pisando fundo até que o ABS entre em ação durante a maioria do trajeto. Por fim, é necessário rodar por cinco minutos aos mesmos 72 km/h para que os discos esfriem.

Caso os pneus sejam novos, também é necessário amaciá-los dirigindo o carro em trajeto de círculo de 30 m de diâmetro, com velocidade suficiente para gerar aceleração lateral de 0,5 a 0,6g num total de três voltas no sentido horário e três no anti-horário.

“Imediatamente a seguir”, basta realizar quatro passagens a 56 km/h performando dez ciclos de comandos sinoidais em cada passagem, com frequência de 1Hz e amplitude suficiente para a mesma aceleração do preparo anterior.

É só garantir que o último ciclo de todos tenha amplitude do volante multiplicada em 100% e acabou: a borracha está no ponto.

Clichê, mas verdade

O detalhismo se repete em uma vastidão de aspectos, e até a força necessária no pedal do freio para que o curso varie determinada distância é precisamente especificada. São exageros como esse que garantem veículos cada vez mais confiáveis e duráveis, por mais que a produção automotiva seja cada vez maior e mais rápida.

Novos limites de seguranças e recursos cada vez mais complexos são o preço da melhoria constante, e nesse contexto a automatização de processos economiza tempo. Apesar do clichê, ele continua sendo dinheiro.

Mais do que isso, a precisão sobre-humana amplia o horizonte de recursos, trazendo às ruas mecanismos que necessitam, por segurança, de calibração extrema, rumo à cobiçada automação veicular plena.

Ela, porém, ainda está longe. Outros problemas, mais imediatos, incluem o aumento de acidentes causados por condutores que delegam às máquinas algo além de suas capacidades, e por isso estudos vêm atualizando exigências de alertas visuais sonoros.

No futuro, explicar a peculiaridade de um SUV robô envolverá aulas de História para relembrar os “carros manuais do passado”. Enquanto isso, as máquinas seguem delegadas ao “trabalho sujo” (mas importantíssimo) da Pesquisa e Desenvolvimento.