Montadoras investem em tecnologia para melhorar a forma de comprar carros

São Paulo – A dinâmica tradicional de comprar carro está prestes a ficar no passado. A ida constante às concessionárias e a dependência exclusiva da atenção e dos conhecimentos do vendedor já estão longe de ser a opção preferida dos clientes. De olho na tecnologia, as montadoras aprimoram suas estratégias de vendas e usam o Brasil como palco dos novas iniciativas.

As soluções propostas para os próximos anos vão desde a adaptação dos espaços físicos à presença de dispositivos que digitalizam a experiência dos clientes até a transferência do processo de compra para o ambiente virtual.

Mesmo com estratégias muito diferentes entre si, as principais montadoras com presença no Brasil concordam em dois pontos: o brasileiro é muito conectado e a comodidade e satisfação dos clientes estão no mundo digital.

O tamanho do mercado potencial brasileiro é uma das razões pelas quais marcas como Fiat, Volkswagen, Renault e Citröen terem escolhido o nosso país para o lançamento de suas iniciativas digitais. “Ainda existe um potencial bastante significativo a ser explorado no Brasil. É um país que tem uma grande população jovem, e o carro ainda tem um valor muito sentimental para o brasileiro, permanecendo como um sonho de consumo. Aliado à alta taxa de penetração de dispositivos móveis e de conectividade com a internet, isso forma um terreno fértil para as montadoras explorarem essas oportunidades”, afirma Jacques Moszkowicz, diretor de estratégias na rede da consultora PwC, em entrevista a EXAME.

Apesar da aposta da tecnologia para melhorar a experiência do consumidor nas concessionárias, a mudança no processo não será radical. Ela ocorre aos poucos, mas alguns exemplos já podem ser vistos por quem vai comprar um carro 0 km em uma das primeiras concessionárias digitais.

Nova dinâmica no espaço físico

Usar a tecnologia para modificar o espaço que recebe os potenciais compradores é o que orienta o modelo de concessionária digital, estreado pela Fiat e pela Volkswagen no fim de 2018. Montadora italiana inaugurou sua unidade no dia 5 de novembro e já realizou 14 vendas de veículos a clientes que mostraram satisfação com um processo protagonizado por dispositivos digitais.

A unidade física com interface digital aposta em grandes telas touchscreen e em um layout simples e direto para informar apenas o essencial e funcionar como um “vendedor silencioso”. No espaço, óculos de realidade virtual que possibilitam a visão interna do carro é a atração mais interessante. Quem acompanha o potencial comprador também pode ver as imagens, que são projetadas em uma tela.

A estratégia da montadora com a proposta é estar presente em pontos estratégicos e que ocupam pouco espaço – a unidade da Avenida Pacaembu se localiza na região de grande fluxo de passagem da Praça Charles Miller e tem apenas 300 m² de área –, reduzindo os custos de operação para 30% a 40% em relação às concessionárias convencionais.

“Com esse modelo, nós temos a oportunidade de instalar um concessionário onde eu jamais teria, essa é a grande vantagem, captando o cliente em sua rotina. Não é que estou apenas reduzindo meu custo de operação, eu estou aumentando a qualidade do meu serviço para o cliente”, diz João Paulo Acioli Filho, gerente de desenvolvimento de rede da Fiat Chrysler.

Acioli explica que a instalação de uma concessionária tradicional, que ocupa em média 4 mil m² custa 2,5 milhões de reais, enquanto a unidade digital sai por 700 mil reais. Um showroom de concessionária, que hoje tem 20 carros, pode reduzir o espaço a um quarto e aumentar a área de serviços para o cliente, afirma o porta-voz. Dessa forma, a Fiat espera economizar enquanto se faz presente em áreas nobres e movimentadas, como shoppings, além de aumentar as vendas e instigar os clientes interessados em novidades tecnológicas.

Com o uso da tecnologia na concessionária, há ainda o benefício do monitoramento da atividade do usuário na loja. Câmeras com mapas de calor e sensores de movimento espalhados pelo local prometem subsidiar as equipes com informações privilegiadas sobre o comportamento de seus clientes, ajudando no planejamento de melhorias para garantir o conforto e a comodidade de quem passa por lá.

Vendedores privilegiados

O modelo implantado pela Fiat prevê poucos vendedores nos espaços, mas garante um atendimento de ponta ao equipá-los com tablets contendo a trajetória da interação que os clientes fazem na loja, bem como a emissão de alertas quando sua presença é solicitada por quem deseja tirar alguma dúvida ou entrar na sala de negociação.

Vendedores bem informados e integrados ao ambiente digital também fazem parte da abordagem da Volkswagen, que lança em dezembro suas dez primeiras concessionárias digitais integradas aos espaços convencionais. O modelo pensado pela marca é o de “ilha digital”, que também dispõe as informações relativas aos carros em tablets, telas de touchscreen e óculos de realidade virtual. A diferença é que os vendedores terão mais presença no processo, orientando os clientes ao longo da experiência.

“O custo para a concessionária é pequeno em termos de hardware, não chega a 30 mil reais. É o normal, uma boa rede de Wi-Fi e uma estrutura básica de TI para poder funcionar”, afirma Alexandre Abelleira, gerente-executivo de desenvolvimento da rede de concessionários. As soluções para melhorar o processo de compra são simples, como a apresentação de um quiz que diz ao usuário o modelo de veículo que mais adequado ao seu perfil.

Abelleira justifica a aposta da Volkswagen com a valorização dos brasileiros por interações digitais. Por isso, a Volkswagen planeja expandir o modelo para Argentina, Chile, Colômbia e Peru.

Com uma abordagem diferente e menos digital do que a concorrência, a Toyota investe, desde 2014, no aprimoramento do portal exclusivo para concessionários, o Dealer Digital Solutions. Ele apresenta métricas e propostas para aumentar o alcance da presença online dos vendedores.“Nós temos concessionárias em diferentes níveis de evolução, então entendemos que precisamos dar um suporte maior para a nossa rede no ambiente digital”, explica Joice Rossi, diretora de marketing da Toyota. A implementação do portal atualizado será feita ao longo de 2019.

Além disso, a marca insere a tecnologia na etapa transacional, investindo no aprimoramento da plataforma do Ciclo Toyota, modelo especial de financiamento que envolve a devolução do carro após um período de uso para aquisição de um novo.

Satisfação na internet para quem não quer sair de casa

A digitalização dos espaços físicos a baixo custo parece ser a solução das marcas para um caminho sem volta em direção à comodidade oferecida pelo conforto da compra online. Um estudo sobre a jornada do comprador de carro feito pela Cox Automotive diz que, em 2018, os consumidores americanos passaram 60% do tempo total da compra buscando informações na internet e apenas 21% dentro da concessionária onde o negócio foi concluído.

“Atualmente, estamos com um número de aproximadamente 1.6 visitas por venda, ou seja, as pessoas vão pouco mais de uma vez para comprar, e isso é um fenômeno mundial”, explica Hermann Mahnke, diretor de marketing da General Motors para a América do Sul. “Isso não diminui a importância do ambiente físico porque a negociação efetiva ainda acontece na concessionária, principalmente em relação ao carro usado”, afirma Mahnke.

A conectividade dos brasileiros é um grande fator de atração para as montadoras testarem novas dinâmicas de vendas. Marcas como Renault e Citröen miram na comodidade do cliente que pode querer tirar dúvidas e até comprar carros a qualquer hora do dia, substituindo as várias idas à concessionária desde o estudo dos modelos até a entrega das chaves.

Inteligência artificial, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural são os protagonistas da vez no planejamento da Citröen, que realizou neste mês a primeira venda de um veículo – no caso, o novo C4 Cactus – pela intermediação de um chatbot no Facebook Messenger. O robô, treinado para agir como um consultor de vendas e fornecer um atendimento o mais próximo possível da abordagem humana, interagiu com o cliente e o conduziu até o site da marca, onde foi feita a pré-reserva após o pagamento de um sinal.

“Sabemos que o cliente pode querer entrar em contato com a marca a qualquer hora do dia, no momento em que é mais conveniente para ele, esse é o primeiro ponto de vantagem. O outro é a capacidade de armazenamento de informações que o chatbot apresenta. Ele pode orientar rapidamente sobre a localização de uma concessionária, qual o tipo de equipamento que aquele modelo possui etc.”, explica Antoine Gaston-Breton, diretor de marketing da Peugeot-Citroën-DS no Brasil.

A principal função do robô é munir o consumidor com as informações que ele levaria muito tempo para encontrar no processo tradicional de busca na internet.

Além da comodidade, o controle da experiência do usuário pela marca é outro fator-chave que orienta as propostas das montadoras na área. Para a Renault, que investe no comércio digital, o cliente deve ter fácil acesso às informações e opções de configuração de seu veículo ao alcance de seu computador ou smartphone, deslocando-se às concessionárias apenas se achar realmente necessário. A loja oficial da marca, que promove a venda do veículo de entrada Kwid, orienta o usuário com oito passos para uma compra online, incluindo financiamento e avaliação do carro usado.

A Renault traz um balanço positivo da estratégia, chamada de “k-commerce” e em vigor desde o início deste ano. “Neste momento, prezamos por um atendimento 24/7 com transparência de preço, é esse o ponto”, afirma Celso Bueno, diretor de TI para marketing e vendas da Renault para a América Latina. O preço dos modelos, segundo Bueno, é único em todo o país, o que aumenta a confiabilidade do usuário, que tem a possibilidade de até mesmo escolher em qual concessionária deseja receber o carro. O próximo passo é evoluir na “experiência de entrega”.

É o fim dos vendedores?

Nenhuma montadora consultada por EXAME afirma trabalhar com um cenário de substituição do vendedor e da concessionária pelo ambiente digital por ora. Em vez disso, as marcas se inserem em uma lógica de complementação e aprimoramento do processo de venda com o uso das tecnologias. “Nós dizemos que é uma estratégia de ‘ganha-ganha-ganha, É um ganho para a montadora, um ganho para o concessionário e um ganho para o cliente’”, explica Bueno, da Renault.

Na corrida pela satisfação do usuário, redução de custos e inovação, saem na frente as marcas que reconhecem o poder dos recursos digitais.