Preço não é tudo

Carro de custo ultrabaixo traz mais dúvidas do que certezas.

Texto: Fernando Calmon

(28-10-08) – Ainda é cedo para tirar conclusões, mas a crise econômica global pode trazer reflexos profundos à gama de produtos da indústria automobilística. Em cada continente o cenário apresenta contornos diferentes.

Nos EUA, apesar da queda de 50% no preço do petróleo, parece irreversível a diminuição do tamanho dos carros e um encolhimento de participação de picapes e utilitários esporte nas vendas totais. O consumidor americano – meio a contragosto – aparentemente se convenceu de que sedãs/hatches/stations são mais racionais para o uso nas cidades. Devem voltar a representar mais de 60% das vendas totais em curto prazo. A sociedade aprendeu que, além do preço da gasolina, pesa bastante a dependência de países complicados para fornecimento de petróleo.

No outro lado do Atlântico, a Europa sempre forçou o uso racional por meio da forte taxação sobre os combustíveis. Porém, a idéia fixa sobre as emissões de gás carbônico (CO2) vai encarecer a produção e, provavelmente, a economia associada de consumo obtida em cada motor não compensará o preço mais alto dos novos modelos. É possível que a meta de diminuição gradativa de CO2 seja abrandada.

No Japão sinais de mudanças são tênues. Motores a diesel não têm quase nenhuma aceitação por lá e os híbridos combustão-elétrico ainda patinam. Microcarros já fazem parte da paisagem urbana – mais de um terço do mercado – e talvez continuem a avançar.

E o Brasil? Com ajuda dos biocombustíveis, em especial o etanol, a situação mostra-se de certa forma confortável. Cerca de 80% das vendas concentram-se em modelos compactos e derivados (inclusive picapes). Nos últimos tempos, se voltou a discutir a possibilidade de fabricar aqui os chamados veículos de custo ultrabaixo. Algo parecido ao indiano Tata Nano, por US$ 3.000, o mais barato do mundo. No recente Congresso da SAE Brasil, entidade de engenheiros da mobilidade, o tema mereceu um painel à parte.

A realidade na Índia, onde motos e triciclos reinam, é bem diferente. O que se debateu foi a aceitação de um modelo similar no Brasil. Considerando a taxa de câmbio em torno dos 2 reais por dólar, acrescendo impostos e margens de comercialização, o Nano teria preço sugerido teórico de R$ 12.800,00. Ocorre que lhe faltam muitos componentes, desde a tampa do porta-malas à tampa do porta-luvas, sem contar o motor de baixa potência e rodas pequenas (12 pol.). No total, 12 itens. O estudo avaliou quanto o comprador estaria disposto a pagar para atingir o nível de equipamentos do carro nacional mais barato. A soma deu R$ 20,2 mil, mesmo compensando as duas portas a mais do indiano. O Mille de entrada custa R$ 23,2 mil.

Encontraria compradores por uma diferença de preço tão pequena? Talvez sim, mas a questão crucial é se a procura sustentaria a viabilidade de produção. O Gurgel BR-800, fabricado entre 1988 e 1991, foi o produto nacional mais próximo do conceito Nano. Sem escala produtiva, nunca apresentou preço competitivo, apesar do generoso incentivo fiscal na forma de alíquota do IPI criada especificamente para o modelo (5%).

Como preço não é tudo, o carro de custo ultrabaixo traz mais dúvidas do que certezas.

Fonte: Webmotors