Ranchero e El Camino: quando os muscle cars viraram picapes

Nos últimos tempos, falamos bastante sobre picapes bacanas aqui no FlatOut. Falamos, por exemplo, sobre a Ford F-150 SVT Lightning, sobre a Chevrolet 454 – picapes que, na virada dos anos 90, meio que substituíram os carros esportivos no portifólio das três grandes de Detroit.

No entanto, alguns bons anos antes, foram os carros esportivos que tentaram se transformar em picapes. Mais especificamente nos anos 60 e 70, Ford Ranchero e Chevrolet El Camino foram extremamente populares nos Estados Unidos. Nada mais justo do que falarmos sobre eles, certo?

O consenso geral é que os carros transformados em picapes surgiram na Austrália na década de 30. A história conta que, em 1932, mulher de um fazendeiro escreveu uma carta à Ford. Nela, explicava a necessidade de um veículo que fosse valente o bastante para dar conta do trabalho da fazenda durante a semana, mas que fosse confortável o bastante para ir à igreja nos fins de semana.

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A Ford atendeu o pedido em 1934 com o Coupé Utility, e o nome do modelo acabou se tornando sinônimo para uma caminhonete compacta derivada de um carro, com a caçamba bem integrada ao restante da carroceria, boa capacidade de carga e interior confortável. Não demorou para que os australianos abreviassem o termo coupé utility para ute. Foi esta a origem de todas as utes australianas, que nós contamos em mais detalhes neste post.

O que não mencionamos na época: não demorou para que a ideia fosse levada para os EUA. Primeiro, por uma versão rebatizada como Chevrolet de uma ute da Holden, a divisão australiana da GM, em 1935. Dois anos depois, a Studebaker lançou a Coupe Express, que na verdade era uma picape com visual de carro de passeio.

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Studebaker Coupe Express 1937

A ideia de uma caminhonete com conforto de automóvel foi colocada em prática anos mais tarde, com a Chevrolet Cameo Carrier de 1955. Uma versão mais chique da picape Task Force, ela tinha estilo mais próximo ao de um carro, com menos cara de utilitário.

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Os para-lamas traseiros tinham coberturas de fibra de vidro que imitavam os “rabos-de-peixe” dos carros de luxo, a cabine tinha acabamento luxuoso, e havia equipamentos como câmbio automático e direção hidráulica. Havia até um motor V8 opcional, com desempenho mais voltado ao uso em ruas e estradas de asfalto do que na zona rural.

Mas foi da Ford (novamente) o pioneirismo dos carros transformados em picapes: em dezembro de 1956, chegava ao mercado o Ford Ranchero.

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Os carros norte-americanos dos anos 50 eram verdadeiramente opulentos. A linha 1957 da Ford estava maior do que nunca, literalmente, e tinham nomes como “Fairlane 500 Skyliner” – modelo com uma enorme capota rígida automática que se escondia no porta-malas em uma operação nada discreta. Havia também a Ford Ranch Wagon, perua de duas portas que serviu de base para a picape – que basicamente era uma Ranch Wagon com a porção posterior do teto removida, substituindo os bancos traseiros e o porta-malas por uma caçamba. A ideia era combinar o conforto e o luxo de um carro com a capacidade de carga de uma picape leve da forma mais eficiente possível.

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O corte da caçamba acontecia exatamente na altura do “rabo-de-peixe”, tornando a conversão bastante simples de executar, e o resultado estético era interessante. A primeira geração do Ranchero durou apenas três anos, de 1957 a 1959, e vendeu bem logo de cara. Os motores eram três: um seis-em-linha de 3,7 litros, um V8 de 4,8 litros e 210 cv, e um V8 de 5,8 litros e 300 cv.

“Mais que um carro! Mais que uma picape!” era como a Ford vendia o Ranchero, que de fato tinha capacidade de carga 23 kg maior que a menor das Ford F-Series. Havia o modelo básico, voltado aos trabalhadores rurais, e o modeo Custom, para quem queria algo mais descolado que um carro de luxo, mas ainda luxuoso. Foi a receita para o sucesso que sua maior rival, a Chevrolet, tratou de seguir à risca em 1959.

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A versão da Chevrolet também usava como base uma perua – a full-size Brookwood, lançada em 1958. Da mesma forma, a Brookwood teve sua porção traseira cortada e recebeu uma caçamba no lugar do banco traseiro e do porta-malas. O estilo da Brookwood, contudo, era mais moderno, com perfil mais baixo e carroceria mais larga do que a Ford Ranch Wagon. Também era mais longo que o Ranchero, com 5,36 metros de comprimento contra 5,13 da Ford, com entre-eixos 38 cm maior.

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Batizada como El Camino, a picape vendeu 22.246 exemplares em 1959, seu ano de estreia, contra 21.706 exemplares do Ranchero no ano de seu lançamento, 1957. E a vantagem era ainda maior contra o modelo de 1959 do Ranchero, que emplacou 14.169 unidades.

De fato, a El Camino oferecia mais opções de motor, começando com o seis-em-linha Blue Flame de 3,9 litros usado no Corvette e chegando até o V8 348 (5,7 litros) com três carburadores de corpo duplo e 335 cv. Este era capaz de chegar até os 100 km/h em sete segundos, cumprir o quarto-de-milha na casa dos 14 segundos e seguir acelerando até os 210 km/h. Mas as coisas mudariam no ano seguinte.

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Em 1960 a Ford lançou o compacto Falcon, como um prenúncio dos novos tempos que estavam por vir. Influenciado pela invasão do Volkswagen Beetle e outros carros europeus, ele era menor e tinha visual mais simples, porém era um carro mais moderno, econômico, ágil e barato do que se podia encontrar até então. Tanto que, em 1964, sua plataforma deu origem ao Mustang.

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Como forma de direcionar o Ford Ranchero a seu público, a companhia decidiu fazê-lo com base no Falcon – parecia evidente que uma caminhonete mais leve, mais barata e mais prática era também mais sensata. O motor básico passou a ser um seis-em-linha de 2,4 litros e apenas 90 cv, enquanto os opcionais oferecidos ao longo dos anos incluíram versões de 4,3 litros e 4,6 litros do motor V8 Windsor, que também seria usado no Ford Mustang.

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El Camino 1960

A mudança deu certo, e o Ford Ranchero continuou vendendo mais de 21.000 unidades por ano entre 1960 e 1965. O Chevrolet El Camino, por outro lado, foi apenas reestilizado para 1960 e, como resultado, encalhou nas vendas, com 14.000 unidades. O jogo havia virado, e a Chevrolet resolveu tirar o El Camino de campo ainda em 1960. Era preciso reformular algumas coisinhas.

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O Chevrolet El Camino voltou ao mercado em 1964, completamente reformulado: agora, sua base era o Chevrolet Chevelle, que naquele ano ganhou a versão Super Sport, ou SS – considerado um dos primeiros muscle cars da Chevrolet. No início, porém, a companhia cometeu o erro de tratar o El Camino como um veículo puramente comercial, focando a maior parte das vendas nas versões com motor de seis cilindros em linha, colocando o V8 small block de 283 pol³ (4,6 litros) e 195 cv como única opção de oito cilindros. Só no segundo semestre foi que um V8 de 5,4 litros (327 pol³) em versões de 250 cv e 300 cv começou a ser oferecido como opcional. No ano seguinte foi a vez do V8 L79, também de 5,4 litros, porém com 355 cv.

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A mudança obteve resultados imediatos: a segunda geração do El Camino vendeu mais de 32.000 unidades em 1964, e o padrão se manteve nos três anos seguintes. O ano de 1966 marcou a introdução do V8 big block 396, de 380 cv, e também o recorde de vendas da picape, com mais de 35.000 unidades comercializadas.

Em 1967 a Ford renovou o Ranchero, que novamente passou a usar como base o Ford Fairlane. A terceira geração, a exemplo do que a Chevrolet fez com o El Camino, entrou na era dos muscle cars, oferecendo além dos seis-em-linha básicos os V8 usados no Mustang e no próprio Fairlane: o small block 289, com potência entre 200 cv e 225 cv, e o V8 big block 390 (6,4 litros) da família FE, com 315 cv – motor semelhante ao que ficaria famoso ao ser usado pelo Mustang Bullitt no ano seguinte.

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Com linhas limpas e elegantes, faróis “empilhados” na dianteira (que lembrava bastante a do nosso Ford Galaxie, diga-se) e desempenho sólido, com quarto-de-milha nos 15 segundos baixos, o Ranchero de terceira geração foi bem recebido pela crítica e pelos fãs da Ford, mas vendeu apenas 17.243 unidades – quase metade das vendas do El Camino no mesmo ano.

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Enquanto isso, as vendas do El Camino só aumentavam. A Chevrolet acertou na mosca ao adotar o visual e a plataforma do Chevelle e a terceira geração, vendida entre 1968 e 1972, é certamente a mais emblemática. Foi durante aqueles cinco anos que o El Camino atingiu seu ápice no mercado norte-americano, com mais de 41.000 exemplares vendidos em 1968, sendo que cerca de 5.200 eram exemplares da versão SS, equipada com o motor V8 396.

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Em 1970, foi introduzida a opção pelo gigantesco V8 454, de 7,2 litros, capaz de entregar 450 cv e levar a caminhonete a cumprir o quarto-de-milha na casa dos 13 segundos a 174 km/h. As modificações de estilo seguiam a linha do Chevelle, e foi assim até o fim da existência do El Camino.

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O Ranchero, por sua vez, passava por mudanças radicais de estilo com mais frequência, adotando um visual cada vez mais carregado e motores que, apesar de grandes – o maior deles era um V8 460, de 7,5 litros – sofriam com taxas de compressão cada vez mais baixas para reduzir emissões de poluentes.

De forma geral, a Chevrolet apostou mais forte no El Camino nos anos 70, embora ele também sofresse as mesmas restrições. As vendas seguiram fortes nos anos seguintes, mantendo números acima de 40.000 exemplares emplacados até 1979.

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Àquela altura, porém, nenhuma das duas caminhonetes gozava da mesma popularidade que tinha até o fim dos anos 60. O próprio mercado estava diferente: com as normas cada vez mais restritas para emissões e consumo de combustíveis, os automóveis foram ficando cada vez menores e menos potentes.

A Ford decidiu encerrar o ciclo de vida do Ranchero e concentrar-se no desenvolvimento de um sucessor, e o resultado foi a primeira geração da Ford Ranger– uma picape concebida desde o início como utilitário e que, por isso, tinha restrições menos severas.

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O El Camino seguiu em produção até 1987, mas em meados da década de 1980 a produção caiu pela metade. Em seu último ano, apenas 13.000 exemplares foram vendidos. Em seu lugar a S-10, que já era produzida desde 1982, assumiu de vez a posição de picape leve na linha da Chevrolet. Os muscle cars viraram coisa do passado, e as muscle pickups também.

 

 

 

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