Se melhorar, estraga

Recordes viram rotina; nunca se vendeu e produziu tanto em tão pouco tempo

por FERNANDO CALMON

Bater recorde de vendas e produção a cada mês virou rotina, mas agora até as previsões conservadoras estão sendo pulverizadas. O ano começou há quatro meses e meio e vendeu-se, no acumulado, 1 milhão de unidades no mercado interno: nunca em tão curto espaço de tempo (primeiras 18 semanas). A produção em abril rompeu, de forma inédita, a barreira de 300 mil unidades. E o faturamento com as exportações cresceu 16%, em relação a 2007, puxadas por veículos de maior valor e aumento de preço em dólares dos demais.

Se melhorar, estraga, diz o velho ditado popular. Todos os segmentos vendem bem, embora os chamados carros “populares” (motores de 1.000 cm³) venham perdendo espaço na preferência do consumidor. No mês passado sua participação entre automóveis, stations e monovolumes caiu para 50,8%, de um patamar superior há 70%, em 2001. Devem encolher ainda mais, mantidas as condições atuais.

Levantamento feito pela Citroën indica que o preço médio dos carros evolui com rapidez. Em 2006 era de R$ 42 mil e, nessa altura do ano, já passou de R$ 50 mil, sem praticamente nenhum efeito inflacionário no cálculo. Não foi só pelo aumento de poder aquisitivo. O financiamento em prazos maiores e juros menores permitiram que, mantido o mesmo valor da prestação, se pudesse comprar um modelo mais equipado e/ou mais potente.

Entre os paradigmas superados está o de que o comprador de automóvel resiste ao financiamento longo. A média atual – 45 meses – desmente essa referência. Pudera, nunca foi tão fácil comprar a crédito. Gunnar Murillo, diretor de vendas do banco GMAC, afirma que em média a aprovação sai em dez minutos. “Ou 15 segundos, se for um cliente conhecido.” O mercado de crédito cresceu tanto que se pode obter financiamento facilmente e comprar carro de um particular, sem a intermediação de um lojista. Basta escolher em classificados de jornal ou internet. Pagamento à vista continua em 30% do total das vendas. Consórcio permanece quase morto (4%).

Outra virada ocorreu no leasing. Depois dos traumas da correção cambial em 1999, o arrendamento (35%) voltou a ultrapassar o Crédito Direto ao Consumidor (31%). Com prestações fixas e um pouco menores em relação ao CDC, o leasing mantém a desvantagem do mínimo de 24 meses para pagar. Quitação antecipada sem taxa escorchante, porém, já é possível, além da sempre permitida troca do veículo por outro de igual ou maior valor. Repassar o contrato, em caso de dificuldade financeira eventual, tende a se difundir pelo maior número de interessados.

A única má notícia é o atraso na aprovação pelo Congresso do chamado cadastro positivo. Dificilmente sairá neste ano. Quando vigorar, cada tomador de empréstimo terá uma taxa de juro individual, atribuída de acordo com seu histórico de bom pagador. O cadastro negativo cerca apenas o devedor inadimplente. Nos vários países que o adotaram, o positivo levou a uma baixa dos juros generalizada em médio prazo. Aqui os legisladores querem adicionar penduricalhos sob falsa alegação de privacidade. O consumidor entende e sabe muito bem o que quer. E também aquilo que não quer: mais intervenção, mais burocracia.

Fonte: UOL Carros