Tempos cinzentos

No tempo dos fuscas - foto de JM
No longínquo ano de 1973, quando eu estagiava numa fábrica de autopeças, meu chefe comprou um Corcel preto. Uma sensação: por onde passava, o carro novo do engenheiro Mauro atraia olhares e gerava comentários por sua ousadia. Naquela época, o preto era usado quase que exclusivamente por automóveis oficiais e era uma visão completamente inusitada num carro pequeno, com duas portas.
É, houve um tempo em que a maioria das fotos eram em preto e branco, mas os carros eram coloridos. Tão coloridos que havia alguns com mais de um tom, os famosos saia-e-blusa, em que o teto, normalmente mais claro, contrastava com a parte inferior da carroceria.

No tempo dos Fuscas, não faltavam opções de cores

Produzir um carro assim, antes da robotização das fábricas, devia dar um trabalho insano: era necessário proteger a área inferior do contato com a tinta usada na capota. E havia modelos em que, mesmo abaixo dos vidros, havia cores diferentes. Saia caro, mas era bonito.

Hoje, as fábricas são capazes de fazer carros nas cores mais variadas em seqüência, sem retardar a produção. E fazem: um preto, um prata, um branco, um preto, um prata, um preto, um preto, um prata… A cada vinte ou trinta, uma ousadia – um vermelho, para algum comprador extrovertido.

Os estacionamentos viraram parques monocromáticos. Salvo um ou outro ponto com vida, o que se vê é uma escala de tons entre o cinza e o preto. Ontem, passou na minha esquina um cortejo fúnebre: havia um único carro colorido, azul-marinho. Era o que levava o caixão.

Se as pessoas usam roupas coloridas, pintam suas casas das cores mais diversas, amam as flores e o verde da natureza, se comovem ao ver o sol se por e se sentem melhor nos dias de céu azul, porque parecem condenadas a circular em carros sem cor nem personalidade?

Tem a explicação econômica: na hora de revender, seria mais fácil passar adiante um carro sem graça. Provavelmente, quem inventou isso foi algum dono de loja de usados, querendo pagar menos pelo carro de um cliente. E virou verdade absoluta. Tem até cores amaldiçoadas – em geral a do carro que está sendo oferecido ao “analista” de plantão. “É uma pena, mas esta, ninguém quer…”

Quando Henry Ford começou a produzir em massa o modelo T, o primeiro automóvel popular da história, só fazia carros pretos. Era uma opção prática: a tinta preta secava mais rápido e evitava perder tempo preparando a área de pintura para cada tom diferente. Mas ele teve que ceder quando uma concorrente, a General Motors, descobriu que havia gente querendo carros coloridos, e disposta a pagar um pouco mais por eles. Para fazer frente aos Chevrolets, mais vistosos, o Ford Modelo A teve que ser fabricado em cores variadas.

Está na hora de colorir as ruas de novo. Dar um fim à paisagem desbotada e cinzenta das grandes cidades. Se os tempos parecem cinzentos, vamos, pelo menos, melhorar o visual. Contribua: quando for comprar um carro novo, pense numa corzinha.

Matéria publicada na revista Autoesporte

Jorge Meditsch

Fonte: Auto Estrada