‘Você poderá abrir a porta do carro ou ligar o ar pelo celular’

Diretor de TI da Fiat, André Souza Ferreira fala sobre o carro de um futuro muito próximo e sobre a aceleração de processos provocada pela pandemia

Ricardo Grinbaum e Ana Carolina Sacoman

Estadão -28 de setembro de 2020

Fiat iniciou, quatro anos atrás, uma revisão geral de seus processos, para fazer frente aos avanços da tecnologia e às mudanças de comportamento dos consumidores. Passaram por seu pente-fino desde o conceito do carro do futuro, até o processo de montagem dos veículos e o relacionamento com os clientes. Era para ser um processo de transformação digital feito com calma, passo a passo. Mas o que era uma visão de longo prazo ganhou senso de urgência nos últimos seis meses. A pandemia fez a Fiat mudar de maneira radical.

Com as concessionárias fechadas para o atendimento ao público, a montadora criou um shopping virtual para sua marca. O site funciona como um marketplace em que as concessionárias oferecem seus modelos em estoque e suas ofertas. Na administração, a transformação digital também foi acelerada. De casa, os funcionários repensaram uma série de práticas da empresa. Eles desenvolveram, por exemplo, uma auditoria virtual para homologar a distância a produção de novos modelos. Por WhatsApp, a montadora se comunica diretamente com os consumidores. Já a criação de novos produtos segue a escrita da matriz, que dá prioridade à digitalização.

“Quando você vai ao cliente, começa a entender o automóvel como uma plataforma digital”, diz André Souza Ferreira, diretor de TI e Líder de Transformação Digital da Fiat. “Às vezes é como se fosse um celular.”
André conta que os carros da montadora estão ficando cada vez mais conectados. Estar conectado agora não é apenas ter serviços como Waze e Spotify instalados. “Estamos falando de uma central multimídia, com um chip de celular, integrada com a montadora.” Na prática, a montadora pode atualizar o software do carro a distância, o cliente pode ligar de dentro de casa o aparelho de ar condicionado de seu veículo ou comprar um lanche de fast-food com um comando de voz, quando estiver ao volante.

“Estamos entrando em uma nova era de proximidade com o cliente”, diz André. “A cada dia surgem novas oportunidades e possibilidades.” Ele deu a seguinte entrevista ao blog Revoluções Digitais:


Como começou o processo de transformação digital na Fiat?

Há quatro anos resolvemos pensar nas grandes tendências para o futuro da empresa. Olhamos para o produto, para avaliar se o carro passará a ser elétrico, autônomo, conectado. E também refletimos sobre o processo de produção, se ficará muito mais robotizado, se vai gerar um volume muito maior de informações. Desde planejar, comprar e receber peças, até montar e distribuir o carro para o revendedor, todo o processo está ficando cada vez mais otimizado, para ter o mínimo de desperdício e perda. Do lado do cliente, a gente começa a ver que ele está cada vez mais conectado e mais digital. Ele imagina que a compra de um automóvel pode ser uma experiência tão simples quanto uma negociação na Amazon, por exemplo. E também começa a encarar o automóvel com uma visão de serviço. Você começa a ver uma proliferação de aplicativos, porque as pessoas estão muito menos preocupadas com a posse e muito mais ligadas no objetivo em si, que é sair de um lugar e ir para outro. Olhando para essas tendências, e para as novas oportunidades de negócio, a gente se deu conta de que tínhamos de começar a agir de uma maneira um pouco diferente. Começamos a preparar as pessoas e o nosso ambiente tecnológico para as mudanças.

Agora, na pandemia, a gente percebe com clareza como as mudanças estão ocorrendo. As concessionárias tiveram de ser fechadas para o atendimento ao público. Mas algumas concessionárias que reabriram as portas estão vendendo menos do que outras que continuaram fechadas. Isso acontece porque você tinha uma base tecnológica, uma boa estrutura que possibilitou ao vendedor se aproximar e ter um contato mais direto com seu cliente. Ao mesmo tempo, o cliente passou a usar mais os meios digitais, para fazer pesquisa, conhecer os produtos. Essa junção de coisas parece uma ação simples, mas não é. Tudo isso vem de um pensamento focado muito na transformação digital, olhando para as grandes tendências, nessa visão 360º no setor automotivo, incluindo produto, cliente, modelo de negócio, parte fabril, processo interno.

Quando você vai ao cliente, começa a entender o automóvel como uma plataforma digital, às vezes como se fosse um celular. Presta serviços, como fazer compras e pagamentos, conecta-se com parceiros comerciais para trazer experiências diferentes. Pode ser o pagamento de pedágio ou a entrada em estacionamento, transformados em práticas muito mais simples. Pode integrar o automóvel com os assistentes digitais de casa, cada vez mais comuns no dia a dia. De casa, você pode programar o ar condicionado ou o aquecedor do automóvel, que está na garagem, para ser ligado em 15 minutos. Esses são alguns itens, mas vai muito além.

Dentro de um processo de digitalização, as montadoras estão mais próximas do cliente final. Antes a relação era muito mais delegada, entre a montadora e a concessionária. Quem se relacionava com o cliente muitas vezes era a concessionária. Hoje outros canais fazem com que a montadora esteja mais próxima do cliente, entenda melhor seu comportamento e saiba o que lhe agrada ou não. Em várias situações o automóvel vai ser esse grande canal de conexão com uma plataforma e possibilitar esse contato direto entre a montadora e seus consumidores. Olhando pelo ponto de vista do cliente, acho que a gente está iniciando uma nova era, de uma proximidade muito maior de quem desenha, desenvolve e constrói um automóvel, com quem vai comprar ou usar esse veículo. E a gente nem sabe se no futuro esse consumidor vai comprar o automóvel. Cada vez mais se fala em usar, pagar pelo serviço.

A que distância a gente está desse ‘carro celular’?

Já está aí. Mas como toda nova tecnologia, e seguindo a lógica de transformação digital, de modelos ágeis, é um processo incremental. Na medida em que você vai conhecendo e aprendendo, desenvolve coisas novas. A cada dia surgem novas possibilidades e oportunidades. Vou dar um exemplo: vamos supor que você esteja passando perto de um fast-food e o automóvel te avisa de uma promoção. Você fala com o carro, faz o pedido, passa no fast-food e pega o lanche sem contato, sem o que a gente chama de fricção. Outras oportunidades vão surgir, uma vez que a tecnologia se transforma em algo mais comum na percepção das pessoas. Até pouco tempo atrás nosso navegador era um GPS embutido no carro. De repente, você passa a ter um celular rodando um Waze, um Google Maps, que te traz uma integração maior e uma experiência diferente. Agora o serviço está instalado no carro. Não preciso mais do celular porque o rádio do carro já tem um celular. Já está disponível e a questão é qual é o limite para o processo avançar, que é realmente difícil de dizer, é um aprendizado diário.

O senhor pode dar um exemplo do que já foi feito e do que está sendo preparado nos modelos da Fiat?

Vou usar um exemplo europeu, com sequência aqui no Brasil. Hoje, quando a gente fala de carro conectado muitas pessoas ainda pensam que se trata de pegar o celular e fazer a projeção do Waze, do Spotify na multimídia do carro. Recentemente lançamos a nova Fiat Strada, em que a projeção é feita sem precisar de um cabo, wireless. Mas isso ainda não é um carro conectado. O que a gente está falando agora é de um carro com uma central multimídia com um chip de celular, integrada com o ambiente da montadora. Se precisar fazer uma atualização de software, não precisa levar o carro até a concessionária. Em várias situações vai ser possível fazer essa atualização de casa, como você atualiza o Android ou o iOS do seu celular.  Além disso, você tem uma série de dados de diagnósticos do carro que nós coletamos para entender o comportamento do automóvel e antecipar eventuais problemas. Você também tem ferramentas que se integram, por exemplo, com dispositivos, assistentes que você tem na sua casa. Ao mesmo tempo, ele também se integra com alguns parceiros de serviço, como estacionamentos. Estamos falando de um número muito grande de funcionalidades que temos hoje previstas para serem lançadas junto com esse primeiro modelo que será realmente conectado.

Quando será esse lançamento?

No ano que vem, com certeza, estará disponível no mercado. E o que eu posso dizer