Clássicos: Volkswagen Passat TS é referência em estabilidade até hoje

André Fiori – Quatro Rodas – 8/11/2020

Publicado originalmente em dezembro de 2003

Quem tiver mais de 40 anos e olhar para esta fotos deve estar com uma discreta alteração dos batimentos cardíacos. Nada para se preocupar, no entanto. Ao contrário: essa é a reação saudável de quem reencontra uma antiga paixão. E o Passat TS era o tipo de carro que arrasava quarteirões.

Quem tinha um despertava admiração e até uma ponta de inveja por onde passava. Ele é do tempo em que carro nacional que chegava a 160 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 13 segundos era digno de respeito.

Considerada referência até hoje, a estabilidade do TS permitia entrar mais forte em curvas do que se faria com Dojões e Opalas bem mais potentes. Essas eram algumas qualidades da versão esportiva do “revolucionário” Passat.

“No começo, chegou a haver fila para comprá-lo”, diz Bob Sharp que, na época, era concessionário VW no bairro carioca de Botafogo. “Com seus quatro faróis e disposição para acelerar, o carro era imponente.” Criou-se um mito em torno do esportivo, que nos anos 70 não era visto em show rooms.

Chegou-se a pagar ágio sobre seu preço, que na época do lançamento, em fevereiro de 1976, era de 37.225 cruzeiros (o equivalente hoje, a R$ 81.981 – IGP-DI-08/2020).

Quando lançou o Passat, a Volkswagen (que até 1974 exaltava as virtudes da refrigeração a ar e do motor traseiro) viu-se diante de um dilema: como vender um VW de motor dianteiro e refrigerado a água? “Vínhamos desde 1953 atendendo à conta da empresa. Acompanhamos a chamada “monocultura” do Fusca”, conta Hélcio Emerich, diretor de planejamento da agência Almap/BBDO.

Porém, como suplantar o desafio de vender um carro depois de tantas propagandas dizendo que o ar não fervia? “Isso implicava principalmente uma grande operação de preparação da rede, inclusive na parte técnica”, diz Hélcio. Os concessionários eram mais refratários que o consumidor à idéia de um Volkswagen atípico.

Na campanha de lançamento, com direito a outdoors e maciça exposição nos anúncios de tevê, não se mencionava a nova refrigeração. As novidades enfatizadas eram osfreios de duplo circuito diagonal, a suspensão com raio negativo (que se auto-estabilizava em caso de estouro de pneus ou perda de capacidade de frenagem), além do desempenho do carro.

Com o Passat estabelecido, a campanha passou a ressaltar outros aspectos, como o desenho de Giorgio Giugiaro e o conforto. E, para acostumar o consumidor à refrigeração a água, a garantia era de um ano sem limite de

quilometragem. Nas versões a álcool, havia outra garantia, dessa vez de dois anos, para os componentes em contato com o combustível.

A carroceria fastback já conhecida e elogiada nos Passat mais pacatos só viria a ganhar com o esportivo TS. “O estilo de Giorgio Giugiaro já havia agradado. Com a dianteira de quatro faróis, ficou intimidantemente agradável”, diz Bob Sharp, referindo-se ao modelo produzido de 1976 a 1978. A partir de 1979, o carro ganharia outra dianteira, com faróis quadrados, além de o estilo ficar mais contido, assemelhando-se aos Passat que não eram “de briga”.

Virão à memória de quem era vidrado nesse veículo as faixas pretas laterais e as rodas mais largas que as dos Passat não tão “sarados”. Surgirão lembranças do motor 1.6 de 80 cavalos (líquidos), um pouco mais vibrante que os AP-1600. No interior, bancos altos, com encosto de cabeça e painel completíssimo.

O conta-giros era um pequeno mostrador no centro, em um total de seis instrumentos, sendo voltímetro e manômetro de óleo ” ou vacuômetro ” no console central, fazendo conjunto com o relógio. Ar-condicionado, vidros verdes e desembaçador eram opcionais.

Porém, inesquecível mesmo era o desempenho da fera. “Dos carros médios, era o mais veloz. E também não fazia feio para os carrões”, conta César Carloni, sócio-proprietário de uma seguradora, comparando o TS ao Opala SS-6 e ao Maverick GT. “Em racha de quarteirão, a vantagem era do Passat, mais leve”, completa Carloni, evocando um tempo em que, em distâncias maiores, os seis cilindros e os V8 falavam mais alto e não havia radares para flagrar esses pegas.

Essa proximidade em desempenho com as forças brutas da época acontecia pelo fato de os “venenos” serem bem mais caros que hoje. “Não tinha essas coisas de turbinas e nitro”, afirma o mecânico Márcio Valente, dono do TS branco que se vê nas fotos.

Em relação aos pesos pesados daqueles tempos, a vantagem do Passat se dava pelo refinamento construtivo, com direito à inédita suspensão de eixo de torção, em esquema diferente do usado nos VW da década de 80 em diante. “Era um conjunto harmonioso: bom de freio, bom de suspensão e bom de motor”, diz Márcio Valente. Ainda hoje, o TS não deixa a desejar em relação aos carros atuais. “Não só acompanha na velocidade, como também no freio”, afirma César.

Em estradas sinuosas sua estabilidade fazia a diferença. Vencia facilmente esportivos de motor maior, pois dava segurança para entrar mais pisado nas curvas. “Opala saía de traseira. Maverick era difícil de guiar”, afirma Márcio. Para alguns fãs, certos aspectos do TS não foram superados por carros mais atuais.

“Seus faróis com arranjo de dois baixos e dois altos normais eram referência em iluminação e até hoje não foram igualados na produção brasileira, com exceção do Omega”, diz Bob Sharp, que também elogia a visibilidade do TS.

O Passat era comum de se ver, mas o TS guardava uma aura de exclusividade nos tempos em que se dançava ao som de Bee Gees e Abba. Não era apenas como “carro de boy” que o TS emplacava. Ele fazia sucesso entre os que apreciavam e conheciam esportivos. Além de bem mais caro que outros modelos da linha, o TS era figurinha difícil até nas concessionárias. Antigos compradores certamente não se esqueceram da longa fila de espera.

Atualmente, são lembrados com mais carinho os modelos de 1976 a 1978, que tinham como característica os quatro faróis redondos e o desenho mais chamativo que os outros. Mesmo aqueles feitos de 1979 a 1982, com frente quadrada e faixas mais discretas, paravam o quarteirão, como relembra Márcio em um episódio ocorrido em fins de 1978, quando foi lançada a linha 1979. “Meu irmão tirou um Passat TS grafite e deixou em frente de casa, na rua. Tocavam a campainha pedindo para ver o carro”, afirma

O Passat é um clássico recente. Por isso, muitos ainda estão por ser restaurados. Boa parte dos atuais passatistas teve o carro no tempo em que ele podia ser comprado zero-quilômetro ou mesmo teve boas recordações do tempo em que ele era o único VW refrigerado a água.

César Carloni é exemplo disso. Atualmente, é dono de um TS 1977 bronze, que demandou uma certa mão-de-obra. Estava bem de lataria, porém sofreu reforma no interior, que usava bancos de Audi A3 em lugar dos originais. Com a dificuldade de se encontrarem peças de acabamento, os pinos da porta, de desenho conhecido como “chuveirinho”, tiveram de vir da Alemanha. Além disso, houve uma certa reconstituição mecânica. “A parte de baixo estava toda modificada”, diz Carloni.

Pode-se chegar ao extremo dos amigos e mecânicos Mário Vicente Fanucchi e José Zaparoli, que depararam com um TS 1980 bronze, com apenas 37 mil quilômetros, que havia ficado parado por nove anos e não precisou de mais que uma limpeza de carburador, troca de fluidos e de pneus, que estavam “quadrados” pelos anos sem se mover.

“Quando comprei o carro, era para desmontar e andar na prova de arrancada”, diz José. Depois de andar em um carro tão inteiro, ele mudou de idéia. “Tive dó de desmontar, porque o carro é impecável. Fui mexer no trambulador do câmbio e está lá o lacre da fábrica”, afirma.

Repassou-o, então, ao amigo, que também teve um sentimento despertado pelo carrinho que ainda tem cheiro de novo. “Tenho uma Parati 2000 mas o Passat é mais gostoso de andar”, diz Mário.

Apesar das semelhanças com VW atuais, há certas especificidades no carro. Nos modelos 1976, o câmbio é diferente dos seguintes e pode ser identificado pela alavanca alta e uma certa imprecisão nas trocas, como a famosa confusão entre o engate da primeira e o da marcha-à-ré. Nesses, até mesmo o assoalho e o console central são diferentes.

Ainda assim, há algumas peças mecânicas em comum com a linha Gol, como as da suspensão, as homocinéticas e a transmissão nos carros de 1977 em diante. E, claro, recomenda-se sempre usar peças originais. “Talvez você encontre alguma coisa no mercado de reposição, mas não tem a mesma qualidade”, diz o consultor de carros antigos José Ricardo de Oliveira, que possui um raro Passat LM 1975.

Como em qualquer outro carro, deve-se preferir os que estiverem com monobloco íntegro e lataria em bom estado, evitando-se os que têm rombos ou massa plástica. Uma característica conhecida era a infiltração de água em caixas de roda e porta-malas.

Outras peças, porém, são mais difíceis. “Peça de acabamento é um negócio complicado. Para o Passat é mais ainda”, completa José Ricardo. Entre elas, estão as forrações de porta e o painel. Devido à má qualidade do material, era comum ele ficar rachado quando muito exposto ao sol. Por isso, prefira carros com painel inteiro e sempre cuide do plástico.

Os preços variam bastante. Há desde carros praticamente sucateados, que demandarão muita abnegação, até as moscas-brancas, em perfeito estado. “Já houve caso de se vender um TS por 25000 reais”, diz José Ricardo, que estima entre 10000 e 15000 reais a média para esse modelo.

Os transformados

A antiga concessionária paulistana Dacon, da Volkswagen, aproveitou bem a sintonia do Passat TS com sua época. Com a importação proibida, o jeito era incrementar os nacionais. O arsenal disponível incluía instrumentos e cores Porsche, como o preto, que não existia na gama original. Além disso, existiam as rodas especiais, os tetos solares e pequenas personalizações, como a pintura preta das molduras de vidro. Em 1978, surgiu o primeiro veículo fora-de-série, o 180S, um Passat de três portas com vidros “bolha”. No mesmo ano, vieram peruas de duas e quatro portas. E muitos se lembrarão também dos três volumes do início dos anos 80, como o 822 e sua versão targa, o 821.