A hora da decisão

Fernando Calmon

Quando um setor produtivo está em crise, fala-se em tentar descobrir o fundo do poço, no jargão econômico. Ainda bem que a situação atual é oposta. Todos os agentes da indústria automobilística estão ansiosos por avistar a beira do poço, ou seja, até onde a borda superior pode chegar para garantir equilíbrio e crescimento sustentável. Sem risco de voltar a cair no buraco e afundar nas incertezas.

Os números atuais não param de surpreender. A produção diária de outubro último — 13.600 unidades — roda no ritmo anualizado para frente de 3,4 milhões de unidades. Praticamente o teto da capacidade nominal instalada de 3,5 milhões. As vendas internas trafegam na faixa superior a 11.000 veículos por dia, um ritmo que, se repetido nos próximos 12 meses, atingiria quase 2,8 milhões de unidades. Se confirmado, colocaria o País como quinto ou sexto maior mercado do mundo já em 2008, saltando de três a quatro posições em relação ao ranking mundial de 2006.
As apostas da indústria para o crescimento no próximo ano variam de acordo com o grau de prudência dos executivos da indústria. No recente Seminário Autodata Perspectivas 2008, o avanço das vendas internas foi previsto entre 8% e 20%. Houve, no entanto, quem avaliasse riscos e possibilidade de se repetir aqui a crise que afeta o mercado secundário de crédito imobiliário americano, com repercussão mundial. Como essa coluna já comentou, o nível de crédito total no Brasil é quase irrelevante — 30% do Produto Interno Bruto (PIB) — frente ao dos EUA (duas vezes o valor do PIB). Além disso, a inadimplência nos financiamentos de automóveis é muito baixa — metade do índice geral —, mantém-se em queda e o cenário de médio prazo, de corte nos juros.

Claro que a tentação de optar por prazos bem longos embute dúvidas. Tanto que pela primeira vez, em anos, as compras à vista caíram para menos de 30% do total. Mas o mercado também se anima com lançamentos. Além de 2007 ter sido um dos melhores — antes do fim do ano ainda chegam Renault Sandero e novo Ford Ka —, 2008 promete ainda mais. As duas marcas que respondem por metade das vendas — Fiat e Volkswagen — terão novidades de peso. A primeira, com o complemento da linha Palio e o Linea (versão sedã do Punto); a segunda renova e amplia a linha Gol. Além de mais de uma dezena de novos e atraentes produtos (Fit e Corolla, por exemplo), inclusive importados. Há tendência dos motores de 1.000 cm³ caírem para menos de metade das preferências (em outubro, 50,3%; há cincos anos, 75%).

Resta saber se a indústria de autopeças tem fôlego para acompanhar esse ritmo. Até agora a importação de componentes ajudou a segurar o tranco, à custa de consumir todo o saldo comercial positivo com o exterior. Desconfia-se, também, que parte do mercado de reposição está sendo menos abastecido. Não devem faltar peças, mas quem precisar talvez demore mais a achar os itens que procura.

A hora da decisão, porém, se aproxima. É necessária uma nova onda de investimentos pesados, em especial por parte dos fornecedores, para aumento de produção. Alguns fabricantes de veículos estão mais ativos, outros ainda algo reticentes. Chegamos à encruzilhada.

Fonte: Automotive Business