Atraso nas reformas pode levar montadoras a deslocar recursos para países mais competitivos.
Por Marli Olmos — Valor Econômico
11/05/2020
Nos próximos dias, os fabricantes de veículos voltarão a reunir-se com a equipe
econômica para tentar convencer o governo a ajudá-los a obter empréstimos
bancários para honrar dívidas com fornecedores e pagamento de salários. A longo
prazo, porém, cenário é mais desafiador. O aumento da capacidade ociosa, como
efeito da pandemia, e a forte desvalorização do real provocarão perda de competitividade das fábricas brasileiras. Como consequência, projetos de
investimentos já aprovados para o Brasil correm o risco de ir para outros países.
A soma de investimentos anunciados pelas montadoras para o período entre 2018 e
2022 passava de R$ 35 bilhões. Com a pandemia, todas decidiram postergar
recursos que seriam gastos a partir deste ano.
Antes da pandemia as fábricas de veículos no Brasil já corriam o risco de perder principalmente para os mexicanos, investimentos futuros. Mas a expectativa de
redução do déficit fiscal, a agenda de reformas, com a perspectiva de mudanças na
área tributária e redução de burocracia, além de investimentos na infraestrutura do
país, levaram o setor a pensar numa expansão e modernização das operações no
Brasil, onde existe, hoje, capacidade para produzir 5 milhões de veículos por ano.
Mas a crise mudou projeções. Estudo da IHS Markit, uma consultoria global, indica
que, com a brutal queda de demanda provocada pelo novo coronavírus, a produção
anual de veículos no Brasil, inicialmente estimada para mais de 3 milhões em 2020,
não passará de 1,8 milhão, uma sobra de capacidade de mais de 3 milhões de
unidades.
A IHS estima que o mercado anual global de veículos vai encolher de 90 milhões
para 70 milhões de unidades por ano em 2020. Isso levará a um aumento de
capacidade ociosa em todo o mundo, o que causará a uma concorrência entre
fábricas ainda mais acirrada. A forma como cada país sairá da crise determinará os
vencedores na corrida por novos investimentos nesse setor.
O Brasil leva a desvantagem de estar entre os países com a maior desvalorização da
moeda local este ano. A alta do dólar pode ajudar nas exportações por um lado.
Mas não compensa o aumento dos custos com insumos importados.
Mesmo com a dificuldade para vender veículos hoje, a General Motors anunciou, na
semana passada, reajuste de 4% em toda a linha de produtos. A Scania informou
que os preços dos seus caminhões e ônibus vão subir até 10% a partir de agosto. As
duas empresas apontam a desvalorização do real como motivo da alta de preços
mesmo com as vendas estagnadas.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), Luiz
Carlos Moraes, admite o risco de o cenário, cada vez mais sombrio, levar as
montadoras a deslocar investimentos para outros países. “Um sistema tributário
defasado, a burocracia e outros fatores elevam o risco de não recebermos
investimentos já planejados paras o Brasil”, afirma o dirigente.
Mas, antes de brigar pelos investimentos, os fabricantes de veículos têm problemas
mais urgentes para resolver. Com queda na receita próxima de 90%, o setor propôs
ao governo usar créditos tributários como garantia para facilitar a obtenção de
empréstimos junto à rede bancária.
Moraes diz que a cadeia do setor, que envolve montadoras, autopeças e
revendedores, tem em torno de R$ 25 bilhões em créditos. Trata-se de um volume
de recursos que resulta, segundo ele, de “uma distorção tributária” que ocorre em
transações comerciais na venda de veículos e de peças e que está retida nos cofres
públicos.
Antes da pandemia, o setor brigava pela devolução desse dinheiro. Agora, contenta-se com o uso dos créditos como garantia para pedir empréstimos. Moraes calcula
que toda a cadeia precise de mais de R$ 40 bilhões em capital de giro. Se o governo
não ceder, as empresas terão de recorrer às matrizes. Mas, segundo Moraes, a
tarefa não é tão fácil: “Quando explicamos às matrizes sobre a falta de capital de giro
nos perguntam: mas não temos dinheiro retido com o governo do Brasil?”.
Com as fábricas fechadas para evitar a disseminação do vírus, em abril a produção
de veículos foi a menor desde 1957; ou seja, praticamente toda a história da
indústria automobilística no país. Foram produzidos apenas 1,8 mil veículos, uma
queda de 99,3% em relação ao mesmo mês de 2019. A venda interna caiu 76% na
mesma base de comparação. O estoque é bastante alto. Indústria e revendedores
têm nos pátios 128 mil veículos. Levando em conta o mercado de abril, o volume é
suficiente para quatro meses de vendas.
Na apresentação dos dados de abril, na sexta-feira, Moraes defendeu o isolamento
social como forma de obter o “ achatamento da curva” também da crise econômica.
Disse, ainda, que parte da desvalorização do real é consequência da instabilidade
política. E sugeriu que Executivo, Legislativo e Judiciário se unam para “ações
coordenadas” no combate à pandemia. “Muita gente em Brasília não percebeu a
crise na saúde e a recessão que vamos passar”, afirmou.