Carros encalhados

Livre-comércio, nem pensar. Este é um dos pontos já acordados entre Brasil e Argentina, enquanto representantes dos dois países discutem mais uma renovação do acordo sobre o intercâmbio bilateral de automóveis, caminhões, ônibus e autopeças. O chamado acordo automotivo é uma das evidências do mau funcionamento do Mercosul, um bloco oficialmente classificado como união aduaneira, mas ainda sujeito a barreiras internas. O comércio do setor automobilístico deveria ter sido liberado em janeiro de 2006, mas o plano foi abandonado por exigência argentina. Nos últimos dois anos esse objetivo foi gradualmente abandonado, porque o governo brasileiro desistiu de insistir no assunto. Agora já nem se fala em prazo para liberação.

Reunidos em São Paulo, autoridades e empresários dos dois países começaram a examinar as condições de um novo esquema de intercâmbio regulado para os próximos cinco anos. O acordo atual, em vigor desde julho de 2006, expira em 30 de junho. O objetivo, desta vez, é a adoção de regras mais duradouras que as anteriores. Se isso for possível, argumentam negociadores brasileiros, haverá maior segurança para eventuais investidores.

O desafio de atrair investidores é principalmente argentino e o governo de Buenos Aires mostra especial preocupação com o setor de autopeças. “Precisamos recuperar a indústria de autopeças da Argentina que migrou para o Brasil na década de 90”, disse o secretário de Indústria, Fernando Fraguío. O desequilíbrio – o que o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, chama de “assimetria” – é evidente nos números do intercâmbio do ano passado. Em 2007, segundo os dados do governo brasileiro, o Brasil teve um superávit de US$ 1,02 bilhão no comércio bilateral de componentes. Autoridades argentinas falam em US$ 1,4 bilhão. Seja qual for o total correto, o desequilíbrio mais que dobrou em dois anos.

O Brasil também foi superavitário, em US$ 2,07 bilhões,no intercâmbio total do setor – automóveis, caminhões, ônibus, carroçarias, chassis, reboques, máquinas agrícolas e rodoviárias e peças. A Argentina conseguiu um pequeno superávit, de US$ 78 milhões, apenas no comércio de automóveis prontos. No conjunto, o déficit argentino diminuiu ligeiramente, pois havia chegado a US$ 2,24 bilhões em 2006, de acordo com as contas de Brasília.

O acordo foi alterado várias vezes, nos últimos anos, e sempre para atender a solicitações do lado argentino. Não houve apenas o adiamento – agora sem prazo – da liberalização total do comércio. O chamado índice flex, o coeficiente de desvio sobre as exportações, também foi mudado. Pela revisão estabelecida em dezembro de 2002, a cada dólar importado por um dos parceiros, em 2003, corresponderia o direito de exportar até US$ 2,20 livres de impostos. Esse coeficiente subiria para 2,4 em 2004 e 2,6 em 2005. Em 2006 o comércio seria livre. Mas a liberalização não ocorreu e, além disso, nova revisão do acordo reduziu o índice flex para 1,95, diminuindo a parcela do intercâmbio isenta de impostos.

Com o acordo automotivo, Brasil e Argentina não visam apenas à regulação do intercâmbio bilateral. Isso ficou claro no 33º Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 14, de 2006, no qual está escrito que Brasil e Argentina deveriam “buscar a integração efetiva das cadeias produtivas dos dois países, com vistas a alcançar níveis de competitividade internacional”. A idéia era criar “uma plataforma comum para promover ativamente uma crescente inserção internacional, por meio do incremento sistemático de exportações extrazona”. A linguagem podia ser arrevesada, mas a mensagem era clara: o bloco deveria fortalecer-se para concorrer no mercado global.

Essa foi uma das diretrizes do projeto do Mercosul, há muito tempo. Mas o bloco jamais conseguiu organizar-se para a conquista de outros mercados. Isso explica as dificuldades do Mercosul para negociar com a União Européia e para conciliar, na rodada global de negociações comerciais, os interesses de seus quatro sócios. Os impasses do acordo automotivo são apen
Fonte: Agencia Estado