Darwinismo explica sucesso de SUVs

Cena 1: Chego ao Autódromo de Interlagos, em São Paulo, para o M Festival, ação da BMW para promover os lançamentos da linha de esportivos. Alinhados nos boxes, a ponto de bala para mostrar toda a desenvoltura, estavam o roadster Z4 M40i, o cupê M850i xDrive e os SUVs X3 M e X4 M, ambos na apimentada versão Competition, além do irmão menor da família, o X2 M35i. Como assim? SUVs, aqueles brutamontes desengonçados querendo medir força com roadster e cupê, exemplares todo fitness, que têm nas pistas seu habitat natural? Resumo da ópera: cravei 220 km/h no nada slim X3 M, velocidade que não consegui emplacar em seus primos aparentemente mais preparados para a missão. Corta!

Cena 2: Chego ao Autódromo Velo Cittá, em Mogi Guaçu, interior de São Paulo, para avaliar o novíssimo Q8, o maior e mais moderno SUV da Audi, que, tudo indica, também terá uma versão RS, produzida pela divisão de superesportivos da marca alemã de Ingolstadt. Depois de rodar com o modelo naquele circuito técnico, que exige dos carros e do motorista/piloto todo um jogo de cintura para não sair da pista, fui me aventurar em um trecho off-road, ali mesmo nas imediações. Após descer barrancos, subir paredões, atravessar valetas, andar em duas rodas, me perguntei se aquele era o mesmo carro que acelerava, entrava e saía das curvas como um autêntico bólido de competição na pista ao lado. Corta!

Audi Q8 Performance: das pistas para a lama, e vice-versa
Foto: Divulgação

Se você continua achando que os SUVs são aqueles carrões cujo sucesso se explica apenas pelo porte e consequente segurança que oferecem aos ocupantes, é melhor rever os conceitos. Os utilitários-esportivos, imponentes, se destacam mais no trânsito, claro para o bem, quando enfrentam chuvas, enchentes e valetas sem exibir temor, e para o mal, quando o condutor quer bancar o tal sobre os, digamos, menos favorecidos do lado. Mas esses jipões foram além, muito além da força bruta, sendo capazes de se transformar camaleonicamente, de maneira a ocupar os terrenos que são de outros seres do asfalto.

Senão, vejamos. Os SUVs já chegaram exibindo a disposição de um, vá lá, caminhão daí seu apelo inicial. Depois, de olho no sucesso de peruas, minivans e monovolumes, passaram se apresentar não apenas como um veículo off-road, mas como um carro de família, todo paz e amor, fazendo coraçãozinho com as mãos. Nem deu tempo de sentir saudades da hiponga Kombi, coração de mãe em que sempre cabe mais um, porque o novo queridinho do mercado pediu passagem com suas versões com a terceira fileira de bancos. E às adaptações não pararam por aí…

Foi só os sedãs ressurgirem se gabando por chamar atenção pela suas curvas equilibradas e racionais em favor do conforto para que os SUVs caprichassem no luxo e nos mimos internos. Em paralelo, o trânsito nas cidades, cada vez mais carregado, pede modelos sensatos, fáceis de dirigir, como os hatchs. Abriu-se, então, espaço para as versões compactas do carrão, que nem sequer precisaram oferecer tração nas quatro rodas, já que esses rapazes do asfalto não costumam colocar as rodas na lama.

Audi Q8
Foto: Divulgação

Nessa toada, não surpreende que os SUVs andem tão rápido como um esportivo puro-sangue, como pude comprovar nas cenas 1 e 2 acima. Sabemos que a carroceria da categoria não colabora muito com a velocidade, dado o seu peso elevado e o centro de gravidade alto. A solução foi colocar uma parafernália eletrônica que auxilia no ajuste da suspensão, na tração das rodas e um motor bem potente, para carregar toda aquela tonelada como se plumas fossem. Bandeira quadriculada para o jipão.

E por aí vaiNão quer sair de casa porque lá você tem mais como se divertir? É melhor arrumar outra desculpa para não pegar a estrada. O sistema de entretenimento multimídia a bordo dos carrões faz do ambiente um cinema, uma sala de concerto. O quê? Prefere se deslocar voando? Opa, isso o utilitário esportivo vai ficar devendo. Ao menos por enquanto!

Os SUVs, portanto, são a prova motorizada da darwiniana evolução da espécie, em que não são necessariamente os mais fortes que sobrevivem (como não nos deixam mentir os dinossauros), mas os mais adaptáveis. Se os jipões se vendessem apenas como fortes, já teriam ficado no meio do caminho.

BMW X3 Competition
Foto: Divulgação

*Chico Barbosa é doutor em comunicação e semiótica, jornalista, escritor e editor CBNEWS