O que significa a Tesla deixar de ser uma empresa pública?

Elon Musk (Foto: Reprodução)

 

Agosto tem sido um mês agitado para a fabricante de carros elétricos Tesla. Logo na primeira semana do mês, Elon Musk tuitou em sua conta pessoal que pretendia fechar o capital da montadora, caso as ações da fabricante de carros elétricos chegasse a US$ 420 (R$ 1.651) e, depois, disse que negociava essa opereração junto ao Fundo Soberano da Arábia Saudita, instituição ligada ao governo local. 

Para entender o que essa movimentação representa para a Tesla, para o mercado financeiro, e como isso afeta clientes e a produção dos seus veículos, conversamos com Evandro Fernandes de Pontes, professor do Insper e doutor em Direito Societário pela USP. Segundo ele, trata-se de uma ação normal no mercado, mas aponta que grande parte da polémica se deve à forma como isso foi revelado. “Ele não poderia ter usado a conta pessoal do Twitter para fazer esse anúncio, foi o grande erro dele.”

Pontes também acredita que a iniciativa indica que Musk deseja dedicar-se mais à solução dos problemas da companhia e cumprir os compromissos com os clientes – já que muitos compradores do Model 3 não receberam seus veículos dentro do prazo programado – ao invés de ficar prestando contas aos investidores. “Eu entendi essa tuíte no seguinte sentido: vou priorizar o compromisso que eu tenho com o meu cliente, nem que eu tenha que pagar mais caro por isso.”.

Tesla factory (Foto: Divulgação)

 

AE: O que significa, na prática, a Tesla deixar de ser uma empresa pública, de capital aberto, para se tornar uma companhia privada?

O fato de a Tesla deixar de ser uma empresa pública (de capital aberto), para se tornar uma companhia privada, em primeiro lugar, não tem nada a ver com os produtos que ela produz, como o Model 3.

A empresa de capital aberto pode se financiar por intermédio de dinheiro do público, na Bolsa de Valores. Isso acontece através da oferta de “pedaços” do seu capital social em troca de recursos, com a promessa de retorno ao investidor. Então, a empresa tem acesso a dinheiro do público com poucos intermediários, o que torna o seu custo mais baixo do que junto a uma instituição financeira.

AE: E se a empresa passar a ser de capital fechado, como fica?

Se a empresa for de capital fechado, além de empréstimos junto a instituições financeiras, a forma que ela tem de se financiar é com a injeção de dinheiro dos seus sócios, privadamente. É um processo mais rápido e outra vantagem é que ela não fica exposta ao mercado de capitais. Claro, uma responsabilidade adicional para com os sócios, caso eles decidam aportar dinheiro. Há várias vantagens e desvantagens em ambos os modelos. Mas, resumidamente, a principal diferença é que, quando uma empresa fecha o capital, ela está eliminando uma alternativa de financiamento.

Tesla regarga (Foto: divulgação)

 

AE: O que mais muda na Tesla com esse tipo de estratégia no mercado de capitais?

Toda a empresa considerada aberta, com ações em bolsa, tem como obrigações, dentre outras, a divulgação de informações e a publicação de demonstrativos financeiros. Ela está sujeita à restrições da negociação de suas ações em bolsa em determinados períodos. E seus administradores são colocados em situação que especialistas financeiros e advogados chamam de “deveres fiduciários”, com exposição muito maior perante o mercado e a possibilidade de sofrer questionamentos legais de qualquer pessoa que detenha ações da companhia. Em suma, o administrador de uma empresa aberta corre mais riscos, fica mais exposto e tem a obrigação de prestar contas, com alto grau de transparência.

Já a companhia fechada não precisa dar satisfação para o mercado e o administrador presta contas apenas para os acionistas, que normalmente são um grupo reduzido de pessoas.

AE: E para o cliente da Tesla, alguém que comprou um Model 3, por exemplo, o que muda?

Essa mudança de estratégia costuma ter muito pouco impacto para o cliente final, que não vai sentir diferença se a empresa tem capital aberto ou fechado, não muda rigorosamente nada. Muda do ponto de vista do mercado de capitais, mas mesmo assim eu diria que este é um movimento normal.

AE: A partir do momento em que a Tesla passa por problemas de produção na linha do Model 3, Elon Musk deve satisfações para os clientes para quem ele prometeu esses carros. Fica difícil entender o por que dessa atitude, uma vez que o dinheiro que ele terá que buscar para dar seguimento em suas operações ficará mais caro…

Eu entendo que Musk tem muitos compromissos. Com o acionista, com o investidor e com o cliente. Eu entendi esse tuíte no seguinte sentido: “eu vou priorizar o compromisso que eu tenho com o meu cliente, nem que eu tenha que pagar mais caro por isso. Mas se eu prometi para o meu cliente, isso vale mais do que eventualmente se eu tiver prometido para o meu investidor. Essa é minha leitura como professor do mercado de capitais. Eu não sei se ele vai colocar dinheiro do bolso ou como está redigido o estatuto da Tesla. Mas me parece que o que ele faz é sair desse universo para buscar dinheiro mais rápido, é focar mais no cliente, sem ter que perder boa parte do tempo lidando e cuidando de investidores. 

AE: Essa estratégia pode ser considerada uma forma de burlar ou escapar de algumas obrigações?

Burlar é uma palavra muito dura. Mas na verdade o que ele está fazendo é trocar obrigações. Ele deixa de ser obrigado a cumprir certos requisitos de mercados de capitais, que são obrigações perante os seus investidores, para poder focar em outras obrigações. Então ele deixa algumas obrigações de lado, mas ele assume outras como companhia fechada. Ele troca o regime de obrigação dele. Ele está trocando um pelo outro.

Elon Musk (Foto: Oninnovation/Flickr)

 

AE: É possível dizer se isso, na prática, é bom ou ruim?

Dá para dizer que, de estratégia, esse cara “saca” alguma coisa (risos…). Eu dou aula de negociação estratégica e eu costumo às vezes dar exemplos de coisas que ele fez como estrategista de negócios. E ele é muito competente nessa parte de estratégia. Então, pode de certa forma fazer algum sentido. Ou seja, me parece bom.

AE: E como o senhor vê o fato de Musk ter usado o Twitter para fazer o tal anúncio?

Ele não poderia ter usado a conta pessoal do Twitter para fazer esse anúncio, foi o grande erro dele. Isso é uma violação de regra no mercado de capitais. Os analistas disseram que ele não poderia ter feito isso e eu vou um passo além. Acredito que ele fez isso de propósito. Ele sabe que isso é uma violação, mas ele fez isso para chamar a atenção e de certa forma passar uma mensagem do tipo: “Olha só como eu fico de mãos amarradas enquanto eu preciso atender aos meus clientes? Meus investidores tomam meu tempo com assuntos que eu preciso resolver em detrimento da produção do produto que eu estou vendendo.”

Eu sou um forte defensor de companhias de capital aberto, por achar que o mercado de capitais é uma solução para muitos problemas. Mas, também entendo o argumento daqueles que vêem no mercado de capitais um elemento que absorve a capacidade e o tempo útil do executivo, que poderia dedicar seu tempo ao seu cliente, ao invés de focar na bolsa e esse tipo de coisa.

Período excruciante – Na última quinta-feira (16), Elon Musk concedeu entrevista dao The New York Times, em que declarou estar lutando para manter a compostura. “Esses últimos meses foram o período mais difícil e doloroso da minha carreira. Foi excruciante.”, disse Musk ao diário nova-iorquino.

O executivo afirmou que quase perdeu o casamento de seu irmão no verão, e que passou seu aniversário nos escritórios da Tesla, enquanto a empresa corria para atingir metas de produção.

Os eventos desencadeados pela tuitada provocaram uma investigação federal e enfureceram alguns membros do conselho da Tesla. Ainda assim, o executivo disse que viu o tweet “como uma tentativa de transparência”.

Tesla Model 3 (Foto: Reprodução / Twitter)