Lada: um susto no mercado brasileiro


Hoje, vinte anos após a edição da medida provisória que desencadeou a abertura das importações nos anos noventa, vale a pena registrar o desembarque no Brasil do empresário panamenho-norte-americano Martin Rodin com planos arrojados: vender no país cinquenta mil veículos russos por ano.

O investidor chegou em 1990, logo depois de tomar conhecimento da surpreendente decisão do então presidente Fernando Collor de abrir o mercado brasileiro às importações automotivas.

Ninguém deu crédito à iniciativa, mas a Lada do Brasil foi criada em julho de 1990 e pisou fundo no acelerador. A empresa bateu recordes na montagem de sua estrutura operacional e da rede de distribuição. Em 22 de outubro chegou um lote expressivo de peças de reposição e no dia 30 desembarcou um carregamento de 3.028 veículos.

A maioria desses automóveis, trazidos pelo cargueiro japonês Pegasus Diamond, era do jipe Niva, que subiu a serra de Santos em direção a Barueri, SP, fazendo um desvio pouco convincente na rota para manobrar diante do Anhembi, palco do Salão do Automóvel.

O desfile diante do Anhembi foi um dos surpreendentes lances de marketing para ganhar espaço na mídia. Pouco depois entrou no ar uma das mais premiadas campanhas de propaganda já realizadas no Brasil.

A campanha da Young & Rubicam, prometia levar o jovem brasileiro pelo mau caminho com o Niva 4×4 de tração integral. Depois vieram o Samara, apresentado pela modelo Elena Utkina, e o Laika, com o slogan “o design é de graça”.

Para reforçar o impacto dos anúncios e comerciais de televisão, a agência escolheu imagens fortes na época, como a foice, o martelo e a figura do então presidente Mikail Gorbachev.

Quando a indústria automobilística brasileira acordou, a Lada tinha uma operação exemplar em Barueri, que revisava completamente os carros, e mais de 500 funcionários. Em maio de 1991 veio a sede própria, com o enorme logotipo russo estampado diante da avenida Sumaré. Em julho a empresa comemorou a venda acumulada de 10 mil veículos. No mês seguinte a rede nacional abriu o centésimo revendedor. A rede chegaria, meses depois, a 126 revendas.

O contra-ataque foi rápido e feroz, com restrições de toda sorte. O empresariado local, que antes reclamava do fechamento da economia e da interferência do governo, mostrou sua outra face. Impediu a isenção do IPI na venda do Laika para táxi, criou dificuldade na área de consórcio e um sem-número de problemas burocráticos para os importadores.

Depois de estabelecer a cabeça-de-ponte para as importações, a Lada abriu caminho para inúmeras outras marcas. Muitas tornaram-se fabricantes locais. A associação de classe, Abeiva, enfrentava nos bastidores uma verdadeira batalha estratégica com a Anfavea.

Quem avançou mesmo com as importações foram as próprias montadoras tradicionais (o total de veículos importados atingiu 369 048 unidades em 1995), fazendo explodir a balança e provocando a reação do governo. A alíquota de importação voltava próximo ao teto, que foi de 85%.

As perdas dos importadores foram grandes diante das mudanças nas regras impostas ao setor mas, afinal, houve ganhos expressivos para a parcela da população capaz de adquirir veículos novos. O parque industrial se modernizou, servindo de exemplo para outros países. O produto brasileiro hoje agrada e compete internacionalmente, chegando até mesmo aos Estados Unidos e deixando para trás a sentença histórica de Collor sobre nossas carroças.

A Lada comercializou peças de reposição para pouco mais de 33 mil Samara, Laika e Niva vendidos. Vez ou outra, algum grupo empresarial manifesta intenção de montar no Brasil o jipe Niva que, até hoje, tem uma legião de fãs. Os veículos da marca sobrevivem na periferia de nossas cidades, deixando lembranças do tempo em que o Laika fazia surgir uma classe de carros populares — hoje não tão populares.

Foto: jipe Niva/reprodução internet

Fonte: Automotive Business