Teste: um dia elétrico no Chevrolet Bolt

Bolt (Foto:  )

 

Eu havia acabado de retornar do Salão de Detroit, nos EUA, quando recebemos a notícia na redação: a Chevrolet vai nos ceder o Bolt por um dia. Um dia? Sim. Teríamos 24 horas para acelerar e produzir fotos e vídeos do hatch 100% elétrico que a GM quer lançar no Brasil em 2019. Um prazo para lá de curto com um modelo ainda “do futuro”. Mas era a nossa chance, e ela chegou em ótima hora: durante o salão norte-americano, executivos da montadora só falaram nele. Tudo girou em torno do “raio” (seu nome em português).

Bolt (Foto:  )

 

 

A GM trata o Bolt como uma joia. É o primeiro carro elétrico de grande volume do grupo. O modelo estreou no fim de 2016, mas as entregas nos EUA só começaram para valer nos últimos meses de 2017. Outros países, como Coreia do Sul, Dubai e o bloco europeu também já receberam o hatch que dá início à ofensiva global do grupo na eletrificação. Até 2023, a GM promete lançar 20 novos veículos 100% elétricos. O Brasil, claro, está no horizonte, ao lado dos vizinhos sul-americanos. Mas, para a teoria virar realidade, os desafios serão imensos, especialmente pelas bandas de cá.

Bolt (Foto:  )

 

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A estratégia da Chevrolet no momento é apresentar a tecnologia e analisar sua aplicação real. Em países desenvolvidos, pode-se dizer que o carro elétrico já é realidade. Há uma rede de abastecimento crescente e estabelecida. Alguns governos dão incentivos para a crescente clientela que quer veículos livres de emissões — é o caso dos EUA, que concedem bônus de US$ 7,5 mil (algo como R$ 24 mil) para modelos movidos a eletricidade. Na outra ponta, antigas limitações, como a autonomia das baterias, caminham para oferecer distâncias cada vez maiores com auxílio de sistemas de recuperação de energia.

É o caso do Bolt. A fábrica anuncia uma autonomia total de 383 km com as baterias de lítio cheias. O pacote tem 288 células divididas em três conjuntos dispostos sob o assoalho, com capacidade para armazenar 60 kWh (quilowatt-hora). É energia suficiente para o dia a dia na cidade. A conta é a seguinte: um morador da Grande São Paulo que roda 60 km por dia, em média (meu caso), terá dois ou três dias de autonomia com uma carga completa. Assim, seria necessário recarregar o modelo de duas a três vezes por semana. Em tomadas de 240 Volts, a carga completa leva nove horas.

Esse tempo parece longo e inviável, mas a ideia é que os donos deixem o hatch plugado na tomada durante a noite, podendo até agendar o recarregamento para os horários de bandeira reduzida, por meio da central multimídia. Perguntamos à GM se ela tinha uma estimativa do custo da carga completa, mas a empresa preferiu não cravar um valor. Bem verdade que o custo da energia elétrica varia bastante de estado para estado e de acordo com as bandeiras. Na calculadora online da Eletropaulo, os 60 kWh da bateria do Bolt teriam custo aproximado de R$ 25,16 com impostos (por carga).

Mas, se o custo da eletricidade é incomparavelmente inferior ao cobrado na gasolina e no etanol, o preço do carro elétrico é desafiador. Hoje, o Chevrolet Bolt EV é vendido a partir de US$ 37.495, equivalente a R$ 120 mil sem impostos. Se fosse a combustão, o hatch custaria pelo menos uns 40% menos, na casa dos R$ 70 mil. Isso porque o Bolt é superequipado. Há recursos que nem chegaram aos compactos nacionais, casos do assistente de permanência em faixa, do alerta de colisão e do carregador de celular sem fio (wireless), só para citar alguns. Uma boa referência em tamanho e conteúdo seria o Honda Fit.

Bolt (Foto:  )

 

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VIDA SEM EMISSÕES

Neste primeiro contato, a GM optou por nos ceder o Bolt com a bateria carregada, para não precisarmos recarregar. Isso, de certa forma, limitou a experiência, uma vez que encher as baterias faz parte do negócio. Por outro lado, há poucos pontos públicos de recarga em São Paulo, e ter de abastecer tiraria horas preciosas ao volante — em tomadas comuns, de 110 volts, a carga leva entre 40 e 60 horas. Por isso, eu basicamente acelerei pelas ruas da capital paulista. De início, confesso, fiquei em dúvida se a bateria daria conta. Tínhamos planejado rodar cerca de 150 km. A GM prometera entregar o modelo 100% carregado (383 km), mas, quando dei a partida em nossa garagem, a autonomia era de 290 km.

Logo pensei: se nos 22 km da fábrica da GM em São Caetano do Sul até a redação o modelo consumiu mais de 100 km, talvez não dê conta. Saí para a rua desconfiado. Mas, à medida em que acelerava no meio do trânsito, os números do monitor de consumo mostravam o contrário. No congestionamento, o sistema de recuperação de energia faz a diferença. Em vez de perder autonomia, notei que o Bolt ganhava alguns quilômetros de carga. Cada pisada no pedal do freio (ou usando a borboleta do freio-motor), o sistema de regeneração enviava energia cinética às baterias. Assim, após rodar os primeiros 25 km, o monitor baixou só 10 km — ainda havia carga para mais 280 km.

Bolt (Foto:  )

 

Era meio do dia e paramos para almoçar. Por uma feliz coincidência, encontrei vaga em um shopping com uma tomada comum. Não pensei duas vezes e deixei o Bolt plugado por 1h30. A tomada era de 110 volts, por isso a carga foi pequena, mas foi legal ver que o sistema funciona. Saímos para a sessão de fotos e vídeos com mais energia do que quando partimos. O dia, por sinal, estava favorável, e conseguimos entrar no Parque Ecológico de Barueri, refúgio em meio à selva de pedras de São Paulo. Ali ficamos por cerca de seis horas fazendo os cliques que ilustram esta página. Deixo aqui um muito obrigado à equipe do parque que liberou o acesso.

Depois de tudo isso, você deve estar se perguntando: afinal, como anda o Bolt? Bem, minha experiência na direção foi divertida! Por dentro e por fora, o hatch é como qualquer outro Chevrolet. O design tem um toque futurista, mas não é exótico como um conceito — basta se lembrar do Volt, primeiro elétrico da marca. Na cabine, há elementos presentes em modelos conhecidos no Brasil — a chave e o volante, por exemplo, são os mesmos da linha Cruze e do SUV Equinox. O painel bicolor tem acabamento modesto, porém simpático, com materiais e texturas atraentes — tem até um fio de LED que dá um charme à noite.

Bolt (Foto:  )

 

O quadro de instrumentos em tela digital realça a modernidade, enquanto a tela multimídia de 10,2 polegadas conecta com celulares, via Android Auto e CarPlay, e permite configurar dezenas de funções do carro. E ainda há quatro entradas USB, duas na frente e duas atrás.

O Bolt é silencioso como todo elétrico. Nas acelerações, porém, ouve-se um silvo conforme se acelera. São 202 cv de potência e um torque generoso de 36,7 kgfm sempre disponível. A força supera os 35,7 kgfm do VW Golf GTI, mas aqui está a diferença: o Bolt arranca com vontade, mas não desenvolve como um esportivo a combustão. Mesmo assim, o zero a 100 km/h leva só 6,5 segundos. A máxima anunciada é de 146 km/h, modesta para a potência anunciada. Há ainda o modo Sport, acionado por botão no painel, que faz o Bolt ficar mais ligeiro nas saídas e em acelerações… e faz gastar mais bateria.

Bolt (Foto:  )

 

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Dinamicamente, o Bolt causa encanto e estranheza. Seus 1.625 kg podem ser sentidos em curvas e frenagens — é preciso pisar firme no freio. E com o pacote de baterias adaptado sob o assoalho, o centro de gravidade produz um rodar diferente dos carros comuns. O câmbio é contínuo e funciona como automático convencional. Curioso é a borboleta esquerda no volante que, em vez de trocar marchas, atua como freio-motor e pode ser usada junto com o freio. Este modo inclusive torna a recuperação de energia mais eficiente.

Há ainda o One Drive Pedal, acionado na posição “L” do câmbio e que dispensa o pedal do freio: basta liberar o acelerador para o Bolt começar a frear. É uma tecnologia recente que tende a se tornar padrão nos carros do futuro, em especial nos modelos autônomos. Ao fim da jornada, depois de experimentar todas essas engenhocas, devolvi o hatch elétrico na fábrica da GM com pouco menos de 200 km de autonomia. Uma clara demonstração de que a tecnologia elétrica caminha para se tornar realidade. Foi um dia elétrico e sem emissões.

FICHA TÉCNICA

Motor: elétrico, a baterias de íons de lítio com 3 conjuntos, 288 células e 60 kWh
Potência: 202 cv
Torque: 36,7 kgfm
Câmbio: Automático direto (sem relação de marchas), tração dianteira
Direção: Elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e eixo de torção (tras.)
Freios: Discos ventilados (diant.) e sólidos (tras.)
Pneus: 215/50 R17, liga leve
Dimensões: Compr. 4,16 m; Largura 1,76 m; Altura 1,59 m; Entre-eixos 2,60 m
Peso do pacote de baterias: 435 kg
Porta-malas: 478 litros
Peso: 1.625 kg
Central multimídia: 10,2 pol., sensível ao toque
Garantia do pacote de baterias: 8 anos ou 160 mil km
Aceleração 0-100 km/h: 6,5 segundos
Autonomia da bateria: 383 km
Preço nos EUA: US$ 37.495 (aprox. R$ 120 mil, sem taxas)